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Professores

O direito à dignidade

Depois alguém inventou os exames. E a escola secundária transformou-se rapidamente numa pista de atletismo, onde a maratona é só para quem aguenta. Voltou-se a decorar  matérias para exame, retomaram-se  laivos de ensino tradicional. A Área-Escola tornou-se difícil de articular com este espírito competitivo das entradas para o Ensino Superior.

É doloroso verificar como certos jornais nacionais que lemos e pagamos  entregam espaços nobres a colunistas que fazem afirmações sem nexo a propósito dos professores, das suas férias e das suas actividades. Não vou aqui designar este senhor, conheço-lhe o nome como jornalista em determinadas áreas e aprecio-o como escritor; mas não conheço nenhum pedagogo nem nenhum investigador em Ciências da Educação com este nome. Que eu o citasse queria ele certamente, mas não tem essa importância.
Quem viveu dentro das escolas nos últimos vinte anos sabe bem como as coisas se têm passado. O desafio foi lançado por ministros como Roberto Carneiro, ou secretários de Estado como Ana Benavente ou Joaquim Azevedo. Inovação e eficácia, reguladas pelos poderes central e regional, passaram sobretudo para as costas dos professores; consigna-se uma certa autonomia, que prevê a construção de projectos educativos adaptados ao contexto local ? e isso é bom; mas baseiam-se  na implicação a nível local de outros actores, como por exemplo as autarquias e as empresas, os encarregados de educação e os centros de saúde. E isto já é mais complicado, pois nãos somos um país como a França, em que existe uma cultura do regional. Cabe aos professores apelar aos agentes da comunidade, convidá-los, motivá-los, acompanhá-los e a alguns ?arrastá-los? mesmo, porque nem sempre vêem qual o seu interesse em participarem na organização da escola, que nem sempre tem algo de imediato para oferecer.
Os professores vêem-se ainda a braços com a entrada para a escola de todos os jovens. Felizmente, por mais aspectos negativos que a massificação traga.  Até ao décimo segundo ano, salvo algum abandono, começou a ir quase toda a gente. Os Conselhos de Turma investiram logo em projectos comuns (era o tempo da Escola Cultural, faziam-se exposições, espectáculos, trabalhava-se à noite muitas vezes, fora de horário).
Depois alguém inventou os exames. E a escola secundária transformou-se rapidamente numa pista de atletismo, onde a maratona é só para quem aguenta. Voltou-se a decorar  matérias para exame, retomaram-se  laivos de ensino tradicional. A Área-Escola tornou-se difícil de articular com este espírito competitivo das entradas para o Ensino Superior.
 Mais recentemente, veio uma nova reforma. E a sua gestão pelo anterior governo foi catastrófica: programas novos com reforma antiga, a guerra dos manuais, enfim, uma ?baralhação? para as escolas.
Se falássemos agora do que têm sido as alterações no ensino obrigatório, nomeadamente no 3º ciclo que já tem exames, na trapalhada dos agrupamentos à força no 1º ciclo e no pré-escolar, no isolamento das educadoras do ensino oficial, nos novos cursos técnico-profissionais com taxas de insucesso altíssimas, não chegaria certamente o espaço de todo este jornal. E as novas áreas: Projecto, Estudo Acompanhado, Formação Cívica ? grandes desafios aos professores. As horas e horas de reuniões para construir projectos curriculares de turma adequados. As horas de trabalho a preparar aulas e as dúvidas e preocupações que se traz para casa. As turmas enormes e os problemas sociais dos alunos. As doenças características da profissão, nomeadamente as do foro psíquico (que exigem algumas paragens absolutamente indispensáveis). Tempos que não são contados no trabalho dos professores. E a  necessidade de formação. E se falássemos nas vicissitudes da carreira... no ter-se 40 anos de idade e não se ser efectivo...
Há neste país muitos investigadores que se debruçam sobre as questões de Educação, como se viu em Abril passado, em Castelo Branco, no Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação,  SPCE.
Não é preciso vir um jornalista qualquer falar sobre o que não sabe. E ter um lugar de destaque num jornal nacional. E ganhar por isso ? perdoe-se a indelicadeza - mais do que ganha um professor sabe-se lá quantas vezes. (Há-de haver provedores e investigadores sobre ética jornalística...).
 Mas confesso que só ouvi falar e não li. E estou todo contente. Não merece a pena.


  
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Edição:

N.º 145
Ano 14, Maio 2005

Autoria:

Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário
Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário

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