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Lugares vitalícios versus segurança no trabalho

Por imperativos de natureza editorial, vejo-me na contingência de desdobrar o presente artigo em duas partes, dedicando a esta primeira a discussão entre o público e privado na educação para, numa segunda, abordar a distinção entre os conceitos de ?lugares vitalícios? e ?segurança no trabalho?, a partir nomeadamente da situação dos concursos de colocação de professores.

Nos debates sobre a educação, a equação entre o público e o privado inflama normalmente as mais acesas discussões, quer em prole da escola pública, função manifesta do Estado, quer da escola privada, área de investimento susceptível de ser gerida de um modo privado. Esta discussão insiste hoje, parece-me, em conceitos cujo antagonismo deixou de dar conta da diversidade e complexidade do fenómeno em análise. É assim que, a título de exemplo, vemos os mesmos defensores da escola privada a pugnarem por modelos de avaliação universal, que configurem patamares claros e inequívocos das aprendizagens efectuadas (ao melhor estilo da escola pública nacional francesa, que inspirou o nosso modelo); é assim que vemos os mesmos defensores da escola pública a pugnarem pela diferenciação dos modelos de aprendizagem e da sua articulação com os contextos, as comunidades em que a escola se insere; é assim ainda, que vemos direcções de escolas públicas a outorgarem-se o direito de ?seleccionar? os seus alunos; é assim, por último, que vemos escolas de direito privado a prestarem relevante serviço público, quer pela diferenciação das condições de acesso, quer pela franca abertura a todos os estratos socio-económicos (ou seja, não tornando esta dimensão exclusora de alguns).
Não havendo necessariamente contradições nestas diferentes asserções, elas não deixam de sugerir uma releitura em torno dos significados destas duas ?categorias?. Assim, se juridicamente entendemos as diferenças que lhes subjazem ? num caso, a escola é de direito público, é o sentido de propriedade social a que se refere Castel, conferido pelo Estado àqueles que não detêm outro tipo de propriedade; noutro caso, a escola é de direito privado, é a apropriação privada de um bem que se quer público, não renunciando à universalidade dos fins, mas admitindo a privatização dos meios ? já em termos sociológicos estas diferenças parecem menos evidentes pois que, não é exclusivamente o modo de posse jurídica que determina a concretização da função final da escola; ela pode, de facto ser igualmente executada de um modo ou de outro, poderemos mesmo aceitar que uma escola privada desempenhe um serviço público, esteja ao serviço do interesse público, bem como não é necessariamente uma convergência o exercício privado da educação e a mercantilização da educação.
Uma outra perspectiva introduz uma novidade neste debate, e refiro-me às propostas do ?cheque-aluno?, propostas estas que sim, alteram substancialmente os termos desta questão. Neste caso, parece evidente o sentido da mercantilização, já não da educação, mas sobretudo do ensino; o princípio da ?livre escolha?, que o Estado confere (ao cidadão individual) ao atribuir o ?cheque-aluno? coloca o próprio Estado num percurso divergente do da universalidade da educação e, agora, convergente com uma perspectiva estritamente utilitária do ensino, segundo a qual o direito à educação, postulado constitucionalmente, se converte no estrito direito ao ensino. Não é retórica, é a abdicação de um princípio fundador do próprio Estado - o de conferir direitos de cidadania a todos os cidadãos, nomeadamente o direito à educação ? a troco de um princípio de ?opção individual? ? a maximização das diferenças sociais, em que, para muitos, o direito de cidadania se converte num estrito direito de usura. É de prever que, a seu tempo todos os pressupostos fundadores da escola pública passem a ser detidos pelo privado (pela dita ?opção individual?), afunilando-se o princípio da igualdade de oportunidades para algo como uma meritocracia do ?igual entre iguais?.
O direito de ?opção individual? (para escolher a escola do seu filho, neste caso) e o direito à educação, conferido constitucionalmente pelo Estado, parecem identificar zonas de conflitualidade entre si, mas não parecerá uma evidência que essas zonas de conflitualidade se resumam à terminologia ou à equação ?público vs. privado?.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 145
Ano 14, Maio 2005

Autoria:

Henrique Vaz
Assistente da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Henrique Vaz
Assistente da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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