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Biblioteca da Escola da Fontinha no Porto

Um espaço contra a indiferença

Numa zona socialmente carenciada e afectada pela desertificação humana, uma biblioteca escolar pode fazer a diferença: «Contribuir para que a criança se aperceba que pode ter uma vida diferente da que os pais têm», ou «ajudar os pais a compreender que tipo de actividades podem proporcionar às crianças para que elas sejam cidadãos com valores diferentes dos que o meio lhes tem mostrado». Diz, Maria José Caldas, professora da Escola Básica de 1º ciclo da Fontinha e responsável pela biblioteca escolar.

Intervalo da manhã. Escola Básica de 1º ciclo da Fontinha, quase a chegar à Baixa do Porto. Lamine, oito anos de idade, o 2º de escolaridade, é o primeiro a entrar na biblioteca. Fá-lo tão à vontade como se estivesse a entrar no recreio. Vai à estante e agarra nos ?Contos de Sempre da Disney?. Depois acomoda-se num dos catres existentes no espaço. Ajeita a almofada. Abre o livro na história do ?Aladino e a Lâmpada Mágica? e começa a folhear... «Gosto muito de ler deitado», explica sem tirar os olhos das páginas coloridas. Inaugurada há um mês, a Biblioteca da Escola da Fontinha (BEF) é um espaço solarengo, colorido onde cabe tudo. Livros, jogos, leituras de contos. Até a algazarra das crianças.
A ideia de criar um novo espaço na escola para albergar uma biblioteca nasceu da preocupação com a iliteracia. Para combater este problema e estimular o prazer pela leitura numa comunidade educativa com algumas carências sociais, económicas e culturais, Maria José Caldas, professora da escola da Fontinha, e Fernando Santos Silva, vogal do Pelouro da Educação da Junta de Freguesia de Santo Ildefonso uniram esforços na concretização do projecto orçado em 4 mil euros. O resultado não podia ser melhor. Assim que toca para o intervalo a biblioteca enche-se de leitores. «As crianças entram e escolhem livremente o que querem fazer», explica Maria José Caldas. Aos 51 anos e sem componente lectiva a professora é a responsável pela BEF.
Rosana e Filipa, 7 e 8 anos de idade, 2º ano, preferem ler sentadas. Escolhem uma das mesas alinhadas no meio da sala. Gostam de alternar na leitura em voz alta de histórias. Como que a ver quem lê melhor. Hoje escolhem ?O Soldadinho de Chumbo?, de Hans Cristian Anderson, uma história que já foi lida na aula. «Na cozinha, a mãe ao preparar o almoço ficou admirada ao descobrir o soldadinho na barriga do peixe?», lê Rosana enquanto roda o livro aberto para que Filipa possa continuar. Ao se aperceberem da leitura, duas ouvintes juntam-se a elas. Ficam ocupadas as quatro cadeiras de tampos verdes, azuis, vermelhos e amarelos e escala liliputiana. «O mobiliário é o estandardizado para o 1º ciclo», observa a professora revelando que alguns alunos de ?tamanho maior? já tinham manifestado o seu desconforto com isso. «As crianças têm muita capacidade crítica.» 
É a pensar nessa capacidade que a professora tem planeada a elaboração de uma Assembleia de Amigos da Biblioteca, composta por alunos, pais, professores, funcionários e aberta à comunidade local. Caberia a esse órgão determinar as actividades a desenvolver na biblioteca. Maria José Caldas tem já na mente uma proposta que não se importaria de por em prática: a de o espaço estar aberto aos sábados, de manhã ou de tarde com actividades diversas que podem ir desde a simples disponibilização do espaço para a leitura até à organização de idas a museus. «O objectivo é desenvolver actividades que entusiasmem as crianças.»
Entusiasmo há de sobra. Tanto que por vezes é difícil fazer planos como os de hoje em que Maria José Caldas tinha prevista uma leitura de ?A Vassoura Mágica? de Ducla Soares. «Vamos ver se eles querem.» Á medida que a biblioteca vai enchendo, a professora pergunta a quem chega se quer ouvir a história.
A multiplicidade de ?ofertas? da biblioteca vai ao encontro da inconstância das crianças. Depois do catre, Lamine decide usar a plasticina. E é Filipa quem agora ocupa agora um dos catres. Lê um livro em formato A3 de capa amarela e grandes desenhos coloridos intitulado ?Saúde na Escola?, sobre cuidados de higiene e segurança com textos adaptados a crianças dos 5 aos 7 anos. Leonor, 7 anos, também no 2º ano, torce o nariz à escolha da companheira de catre. Prefere ler os ?Clássicos da Disney?: «As histórias que eu mais gosto são as da ?Alice no Pais das Maravilhas?, a da ?Branca de Neve?, a do ?Pinóquio?, mas também gosto de ler as ?Coisas sobre o Mundo? e a ?História do Corpo Humano?».
Junta-se um grupo significativo de ouvintes ao redor de uma mesa redonda. A leitura de Maria José Caldas começa. Mas ao longo das páginas, o grupo aumenta e diminui ilustrando o direito das crianças em permanecer sentado a ouvir a história ou de optar por outra actividade. Beatriz, 9 anos, 4º ano é das que fica à escuta. E das que resiste a deixar a biblioteca mal se ouve o toque que anuncia o fim do intervalo. Num impulso, Beatriz corre a uma estante e agarra no livro ?O Corpo?. Depois junta-se a um grupo considerável de crianças que ao redor da professora faz as requisições e devoluções de livros à última hora. Mas começa a olhar para a estante, e como a fila vai longa, decide trocar o livro. Pega na ?Menina Gigante?. Volta à fila. Volta à estante. Troca-a pela ?Polgarzinha?. Volta à fila. Indecisa. Tantos livros e tão pouco tempo, adivinha-se no olhar de Beatriz. E se há 5 minutos o toque era recente, «agora está mesmo em cima da hora?», avisa Maria José Caldas. É preciso voltar à sala de aulas. De livros na mão os alunos vão saindo. Aos que não tiveram tempo de requisitar nada, a professora tranquiliza: «Venham de tarde, se quiserem?»


  
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Edição:

N.º 145
Ano 14, Maio 2005

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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