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Educação sexual em Portugal ainda não satisfaz

A Página analisa neste dossier o actual panorama da implementação dos programas de educação sexual nas escolas portuguesas e lança um breve olhar aos números que ajudam a caracterizar as atitudes dos portugueses face à saúde sexual e reprodutiva.
Destaque para um estudo nacional sobre as
atitudes dos professores relativamente à implementação dos programas de educação sexual nas escolas, conduzido por Helena Reis, professora de ensino especial, e para uma curta entrevista com Duarte Vilar, presidente da Associação para o Planeamento da Família.

A educação sexual e reprodutiva é hoje uma das principais preocupações no âmbito das políticas educativas e de saúde pública na União Europeia. Apesar de ainda não ter atingido os patamares da maioria dos seus parceiros europeus, Portugal tem registado nos últimos anos melhorias significativas nos indicadores relativos à saúde sexual e reprodutiva. O aumento do uso dos métodos contraceptivos, a diminuição da gravidez na adolescência e a melhoria dos indicadores de saúde materna e infantil são alguns exemplos disso.
De acordo com dados divulgados pela Sociedade Portuguesa de Ginecologia, cerca de 90% das mulheres sexualmente activas entre os 15 e os 19 anos utiliza métodos contraceptivos e a maior parte dos jovens já os usam na primeira relação sexual. Cerca de 87% das adolescentes já ouviu falar do tema da contracepção na escola contra apenas 22% das mulheres com idades compreendidas entre os 40 e 49 anos.
É sabido que os jovens portugueses têm hoje uma iniciação sexual mais precoce do que as gerações anteriores e que esta ocorre predominantemente em relações com amigos ou namorados. Embora as raparigas reconheçam alguma importância à aprendizagem obtida junto da família, em particular das mães, é reconhecido que tanto esta como a escola deveriam ter um papel mais relevante no que toca à educação sexual, já que é sobretudo a informação trocada com o grupo de amigos aquela que acaba geralmente por prevalecer na formação do conhecimento sobre esta matéria.
Apesar de se poder afirmar que o conhecimento sobre comportamentos de risco estar relativamente generalizado, o facto é que Portugal é o segundo país da Europa com maior número de adolescentes grávidas, apenas suplantado pelo Reino Unido, destacando-se também no quadro europeu do aborto clandestino. Estima-se que no nosso país uma em cada quatro mulheres já recorreu ao aborto clandestino e que cerca de vinte mil mulheres portuguesas a ele recorram anualmente.
Por outro lado, enquanto que no resto da Europa a incidência de doenças sexualmente transmissíveis diminuiu, em Portugal continua a subir. Segundo um estudo realizado pelo Centro de Estudos da Família do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas mais de 40% dos portugueses nem sempre usa o preservativo em relações sexuais ocasionais ou quando têm mais do que um parceiro sexual e 20% nunca o utiliza.

Indefinições e obstáculos atrasam generalização

É neste quadro que a educação sexual nas escolas assume hoje um papel fulcral na formação dos jovens e adolescentes. Apesar de as iniciativas do Estado nesta matéria recuarem aos anos oitenta, 1995/96 e 1997/98 marcam o início do projecto experimental ?Educação Sexual e Promoção da Saúde nas Escolas?, desenvolvido em parceria pelo Programa de Promoção e Educação para a Saúde e pela Associação para o Planeamento da Família, com o apoio técnico da Direcção Geral da Saúde. Através deste projecto, foi realizada pela primeira vez no nosso país uma experiência articulada e avaliada, protagonizada por escolas de todos os níveis de ensino.
A Lei 120/99 e o Decreto-Lei n.º 259/2000 vieram conferir às escolas a obrigatoriedade de incluir no seu projecto educativo uma componente de educação sexual e a reflecti-la nos planos de trabalho das turmas. Para dar cumprimento à legislação o anterior governo encetou protocolos com diversas associações: a Associação para o Planeamento da Família, o Movimento de Defesa da Vida e a Fundação Comunidade Contra a Sida.
No entanto, de acordo com a Associação para o Planeamento da Família (APF), principal parceira institucional do ME nesta área e aquela que há mais tempo actua no terreno, existem ainda algumas ?indefinições? neste conjunto de legislação que necessitam de ser clarificadas.
Assim, na opinião da APF, ainda ?não está claramente definida uma estrutura de responsabilidade no interior da escola, ao nível da proposta, realização, acompanhamento e avaliação das práticas formativas de educação sexual?. Além disso, o modelo disciplinar transversal associado ao DL 259/2000 é de ?difícil execução? por constituir um ?modelo de grande exigência? e por poder gerar uma "perigosa diluição de responsabilidades". A instituição sugere que as escolas ?designem um ou mais responsáveis por esta área educativa com o título de coordenadores do programa de educação sexual?.
Apesar desta indefinição e de não existirem estatísticas sobre o número e o tipo de actividades desenvolvidas nas escolas, os dados resultantes do acompanhamento de projectos em curso promovidos pela APF e do seu conhecimento do terreno, quer os dados dos inquéritos realizados pela Comissão de Coordenação da Promoção e Educação para a Saúde revelam que muitas escolas estão já envolvidas em educação sexual.
No entanto, sublinha-se, ?está-se ainda longe de poder afirmar que todas ou a maior parte das crianças e jovens portugueses, têm acesso, ao longo do seu percurso escolar, a actividades de educação sexual?. Em declarações à PÁGINA, Duarte Vilar vai ainda mais longe e refere que a situação ?regrediu nos últimos três anos? pela atitude de progressiva ?desresponsabilização" do Ministério da Educação face a esta questão (ver entrevista com Duarte Vilar, presidente da APF, na página 37).
Para esta situação contribui em grande medida aquilo que, na opinião da instituição, são os obstáculos que se têm levantado a um avanço mais rápido e a uma maior abrangência da educação sexual nas escolas.
Entre eles está, como já atrás foi referido, a ausência de estudos e de dados rigorosos em matéria da educação sexual em Portugal. Por outro lado, muitas escolas e professores demonstram ainda desconhecimento sobre a legislação existente, que as obriga a incluírem a educação sexual nos seus projectos educativos e nos planos curriculares das turmas.
Uma outra dificuldade diz respeito à compreensão do próprio conceito de educação sexual, que ?continua a ser objecto de entendimentos muito diversos, confusos e muitas vezes errados?, por vezes entendido meramente na sua vertente médica e biológica e sem referências éticas claras no que se refere à abordagem do sexo e aos comportamentos sexuais, facto que, na opinião da APF, pode constituir um ?foco potencial de polémicas internas e externas às escolas?.
Por fim, a ausência de acompanhamento e supervisão verificada em muitas regiões do país, associada à falta de iniciativa por parte das direcções regionais de educação e dos centros de área educativa no sentido de levarem as escolas a cumprir o estipulado na legislação.

Estudo revela atitude ?positiva?

E os professores? O que pensam acerca do seu papel e sobre a forma como esta matéria deve ser abordada nas escolas?
De acordo com um inquérito on-line efectuado recentemente pelo nosso jornal, 37% dos inquiridos considerava que a educação sexual nas escolas ?deveria ser uma disciplina como as outras?, 49% dizia que deveria ser ?proporcionada aos alunos fora do regime disciplinar? e 13% achava que ?não deveria ser objecto de estudo obrigatório?.
Ao contrário do que é habitual afirmar-se, os professores portugueses sentem-se à vontade para abordar este assunto com os seus alunos mas parecem demonstrar pouca vontade em se envolverem em acções de formação nesta área. O problema parece estar, aparentemente, na falta de estruturas que apoiem a iniciativa e a acção destes profissionais nas escolas.
Um estudo de mestrado conduzido em 2003 por Helena Reis, professora do ensino especial na Escola Básica de 2º e 3º ciclos da Costa da Caparica, realizado junto de uma amostra de 600 professores do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário do norte ao sul do país, concluiu que, de uma forma geral, os professores demonstram uma atitude positiva face a esta matéria e a maioria sente-se confortável para falar de sexualidade com os alunos.
O objectivo deste trabalho foi conhecer e compreender as atitudes dos professores em relação à implementação dos programas de educação sexual nas escolas e saber qual o grau de conhecimento e de conforto em tratar temas relacionados com a sexualidade, e será publicado na próxima edição da revista Análise Psicológica do Instituto Superior de Psicologia Aplicada?.
Do total de inquiridos, 24% era do sexo masculino e 76% do sexo feminino, com uma média de idade situada nos 39 anos, 34,7% dos professores já tinham tido algum tipo de formação em educação sexual e apenas 27,7% tinha participado em acções de formação com os alunos. A maioria desses professores (82,6%) referiram a experiência como positiva, 31,4% sentiram-se preparados e confortáveis para trabalhar o tema e 35,4% disseram necessitar de mais formação.
Tendo em conta a diferença de género, a autora refere, no entanto, não ter encontrado diferenças significativas de atitude entre homens e mulheres face a este tema, quer no que se refere ao nível de conhecimento quer ao nível do conforto em abordá-lo.

Professores receptivos, mas pouco apoiados

O estudo refere também que foi encontrada uma ?média alta? de conhecimentos e de conforto na abordagem de temas relacionados com a educação sexual entre os professores, existindo uma associação entre o conhecimento e as atitudes em relação à educação sexual, já que, refere a autora, ?quanto maior é o conforto ao abordar temas de sexualidade mais positivas são as atitudes em relação à educação sexual?. Em relação aos temas abordados, foram encontrados níveis mais altos de conforto em itens como ?amor?, ?pílula? ou ?concepção e gravidez? e níveis mais baixos em itens como ?sexo anal?, ?sexo oral? ou ?legislação?.
Relativamente à crença religiosa, 69% dos inquiridos afirmou pertencer a uma religião e 31% deu uma resposta negativa, independentemente de frequentarem a igreja. O estudo refere, a este propósito, que ?não pôde ser confirmada a hipótese de que as pessoas mais religiosas teriam uma atitude mais negativa? em relação a este tema, sublinhando, no entanto, que ?houve uma associação negativa? significativa entre o grau de religiosidade e o sentimento de conforto em falar de temas de sexualidade.
Helena Reis utilizou também uma escala de estilos de ensino no sentido de relacioná-los com as atitudes e o conforto dos professores. Neste campo, diz no seu estudo, ?não foi confirmada a hipótese de que os professores em que prevalecem os estilos mais progressistas têm uma atitude mais positiva e se sentem mais confortáveis para abordar temas de educação sexual com os seus alunos?.
Apesar de os dados obtidos demonstrarem globalmente uma atitude positiva face à implementação de um currículo inovador de educação sexual nas escolas, a autora questiona, nesse sentido, porque razão apenas 197 do total de 600 professores inquiridos no seu estudo revelava intenções de se envolver futuramente em acções de formação de educação sexual nas suas escolas. A este total, há que acrescentar 270 que se mostraram disponíveis mas que afirmaram não virem a tomar nenhuma iniciativa nesse sentido.
O que falta aos professores para que se envolvam mais nos programas de educação sexual, que fazem parte do projecto educativo das escolas desde 1999?
De acordo com Helena Reis, a resposta a esta questão deverá ser encontrada sobretudo na "falta de condições" que proporcionem "motivação e segurança" aos professores e no "desconhecimento da legislação" por parte dos órgãos directivos das escolas. Mas não só.
"A falta de motivação dos professores envolve variáveis de ordem profissional, tais como o "descontentamento em relação à sua profissão, o excesso de tarefas ou o desgaste da sua representação social". Depois, para abordar estes temas com o à vontade que eles requerem, "os professores têm de estar seguros de si e partir para esta tarefa sem julgamento de valores", factores que estão directamente relacionados com o perfil de cada profissional e a falta de formação na área da educação sexual.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 145
Ano 14, Maio 2005

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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