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Uma política que falhou!

O PORTUGAL DAS EDUCAÇÕES - II

Quem sabe o modo como se ensina, hoje, nas nossas escolas básicas, a escrita da língua materna, como se ensina a matemática ou como se inicia a educação estética das novas gerações? Ninguém! Nem mesmo os professores o sabem? cada um só sabe de si e evita olhar para o colega do lado para não ser tomado como demasiado ?curioso?.

Perguntava há um mês atrás, o que é que este governo ou qualquer outro pensa sobre  a política para o ensino básico (não misturar com o ensino superior e o secundário) que temos seguido desde a segunda metade dos anos 80. Acrescentava que as alternativas que os mais conhecidos ?comentadores educativos?  nos apresentam são muito pobres e apostadas em oferecer escolhas que não têm qualquer fundamentação técnica.  Formulava estas considerações porque entendo que a discussão pública que tem sido feita sobre a qualidade e resultados do sistema escolar em Portugal não pode ser desenvolvida de modo generalista e simplificador. Trata-se de um lugar comum afirmar que os resultados de um sistema de ensino dependem do que ocorre nos primeiros anos de educação básica. Mas esta afirmação banal não tem tido consequências  no modo como se faz a discussão pública, dado que o ensino superior e o ensino secundário constituem-se como os temas centrais do debate. Suspeito que o novo desígnio nacional de aumentar a escolaridade obrigatória para 12 anos irá apenas agravar este tipo de simplificações.
Quem sabe o modo como se ensina, hoje, nas nossas escolas básicas, a escrita da língua materna, como se ensina a matemática ou como se inicia a educação estética das novas gerações? Ninguém! Nem mesmo os professores o sabem? cada um só sabe de si e evita olhar para o colega do lado para não ser tomado como demasiado ?curioso?. Então que suposto corporativismo docente é este (tão criticado) que faz com que cada novo professor do ensino básico comece sempre do zero, como se não existisse uma experiência acumulada da profissão? Mas se ninguém sabe, como é que se consegue dizer que existe um consenso sobre o diagnóstico da educação em Portugal?
Sobre o tema da educação básica e sobre as aprendizagens dos primeiros anos de escolaridade convém que não se esqueça que nos últimos 20 anos se desenvolveu uma estratégia política que visava garantir uma acessibilidade geral aos nove anos de escolaridade. Designá-la-ei, à falta de melhor expressão, por ?autonomia escolar local?. Baseou-se numa orientação política (que teve o acordo mutipartidário, do PSD ao actual Bloco de Esquerda) que no essencial entendeu que a possibilidade de democratizar a escolaridade dependeria da criação de uma dinâmica de inovação e formação que envolvesse e mobilizasse aqueles que decidem sobre o quotidiano  escolar todos os dias, os professores. De facto, esta estratégia política tinha o seu âmago na afirmação de que os professores e os órgãos locais de direcção das escolas (e que deles no essencial dependem) estavam em condições de exercer progressivamente um poder e manifestar uma capacidade autonómica  educativa (pedagógica, curricular, avaliativa, profissional, etc.) que criaria a prazo condições para uma rápida democratização da escolaridade básica. Para o garantir, entre outras medidas, procurou-se combater o estigma das reprovações escolares, estimulou-se (e subsidiou-se magramente) a inovação escolar e as actividades de ligação ao meio social envolvente, deu-se um valor menos prescrito aos programas, canalizou-se muitas verbas para a formação local de professores (centros de formação), estimulou-se a integração e articulação local de escolas de vários ciclos de escolaridade,  implementou-se uma administração escolar local aberta a pais e autarquias, protegeu-se o mercado dos licenciados em ensino, dignificou-se academicamente os professores, etc. Mais recentemente, alguns afirmam a necessidade de ir mais longe nesta autonomia: colocação local de professores, entrega das escolas às autarquias locais com nomeação de administradores escolares por estas, flexibilização do currículo nacional, etc.
Tudo medidas que esquecem que a estratégia política seguida falhou e o seu aprofundamento apenas vai dar mais do mesmo. Falhou porque o mais essencial não ocorreu: os professores não se mobilizaram, não tiraram partido do poder que estava ao seu alcance e continuam à espera que o Ministério resolva aquilo que apenas depende de cada escola, do conhecimento profissional que nelas possa existir e do apoio reflexivo/formativo que pode vir da investigação sobre/em educação.


  
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Edição:

N.º 145
Ano 14, Maio 2005

Autoria:

Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real
Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real

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