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Escola pública: Há um debate a fazer - I

Chega de votos piedosos sobre a Escola Pública. Há um debate por fazer. Há posições e perspectivas por clarificar, da parte da administração central e regional, da parte do poder autárquico, da parte das escolas, da parte dos professores, dos funcionários e das respectivas associações sindicais, da parte das associações representativas dos pais e de todos aquele que, de um ou de outro modo, tenham um contributo para dar e uma quota parte de responsabilidades a assumir quer no âmbito do espaço da Escola Pública quer, por isso, no âmbito daquele debate.

Não sendo possível e desejável definir a agenda de uma discussão que a outros igualmente diz respeito, não é possível nem desejável, também, que possamos recusar contribuir, a coberto de um tal pretexto, para a definição de uma tal agenda. Sabemos que os interesses em jogo não são coincidentes. Sabemos, igualmente, que não há bons nem maus interlocutores. Há, apenas, actores que têm o direito e o dever de se envolverem num jogo, desde que tenham a consciência tão exacta quanto possível daquilo que importa preservar: a afirmação da Escola Pública como um espaço vocacionado para promover a democratização do acesso ao património cultural comum, de forma a que o processo de apropriação de um tal património possa constituir uma oportunidade de formação pessoal e social das gerações mais jovens. Apesar de tudo, e mesmo correndo o risco de sermos acusados de corporativismo, sempre diremos que provavelmente são os professores e as suas associações sindicais aqueles que se encontram em melhor posição para compreenderem as consequências políticas e educativas da desvalorização, desqualificação e desinvestimento na Escola Pública, quanto mais não seja porque, a par dos alunos provenientes dos estratos populacionais socialmente mais desfavorecidos, são eles os primeiros a sentir as consequências da transformação da Escola Pública numa instituição política, social e culturalmente desvalorizada. Este não é, por isso, um tempo propício ao desenvolvimento de estratégias defensivas, à assunção de posições irredutíveis ou ao alijar de responsabilidades por parte dos professores. O que propomos não é que abdiquemos dos direitos profissionais adquiridos, mas tão somente que tornemos visível como o reconhecimento desses direitos constitui uma condição necessária à oferta de um serviço educativo de qualidade no seio das nossas escolas. O que propomos, também, é que esses direitos não sejam um instrumento de imunidade profissional face aos direitos e interesses dos outros intervenientes em jogo, nomeadamente os dos alunos. O que propomos, finalmente, é que esses direitos não constituam um pretexto tendente a responsabilizar os professores por acções e resultados que estes, só por si, não conseguirão obter.
Não somos ingénuos ao ponto de pensarmos que as máquinas burocráticas que sustentam as administrações central e regionais do Ministério da Educação não constituem, só por si, um obstáculo à afirmação da Escola Pública. Não somos cegos ao ponto de ignoramos que a configuração social e os interesses particulares de muitas das associações de pais é, nalgumas circunstâncias, um problema sério a enfrentar. Sabemos que qualquer opção política em defesa da Escola Pública não pode passar pela municipalização das responsabilidades educativas, na medida em que tal opção acabaria por contribuir para manter ou até para estabelecer assimetrias, hoje, indesculpáveis. Finalmente, não pretendemos tapar o sol com a peneira e afirmar que os professores não têm vindo a contribuir, a seu modo, para a desqualificação cultural e educativa da Escola Pública. O desafio que temos pela frente obriga, no entanto, a que o reconhecimento das responsabilidades dos diversos actores no estado em que, hoje, se encontram as nossas escolas constitua, mais do que um acto de contrição, uma condição necessária a um tipo de reconhecimento mais amplo e profícuo: o da necessidade de compreendermos que há um debate a realizar e medidas estruturantes a adoptar na sequência e em consequência desse mesmo debate.
Pode afirmar-se, assim e de um modo geral, que há um conjunto de temáticas a privilegiar na reflexão sobre a Escola Pública, das quais se salientam aquelas que têm a ver com a administração e o governo das escolas que integram a rede pública de oferta escolar; a definição das responsabilidades dos intervenientes no processo de desenvolvimento e afirmação destas mesmas escolas; a configuração do processo de prestação de contas e as consequências decorrentes do mesmo ou a configuração dos compromissos a estabelecer, enquanto componente da estrutura e da dinâmica de responsabilização dos actores em presença. Partindo destas temáticas, proporemos, então, no próximo artigo o que pensamos deverem ser os tópicos da agenda do debate que temos vindo a defender ser, hoje, tão necessário quanto urgente.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 145
Ano 14, Maio 2005

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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