Página  >  Edições  >  N.º 145  >  Irmãos doentes ou deficientes

Irmãos doentes ou deficientes

? pode dizer-se, genericamente, que a qualidade e a quantidade das relações dentro da família são modificadas pela presença de um elemento enfermo ou deficiente e, consequentemente, isto repercute-se, positiva e negativamente, no desenvolvimento de todos e, em particular, dos filhos sãos.

Segundo o modelo sistémico, uma qualquer alteração ou perturbação num dos membros da família repercute-se em toda a família e, consequentemente, na fratria. Isto porque este modelo aplicado à família obriga-nos a conceber que qualquer acontecimento da vida familiar afecta todos os seus membros. Do mesmo modo que um sintoma ou patologia de um membro sugere, sempre, uma disfunção da família.
Podemos então dizer que uma criança doente e/ou deficiente perturba a dinâmica do sistema familiar no seu conjunto.
A vivência destas situações no sistema familiar e em cada um dos membros, em particular, depende de como e quando a situação problemática aparece na família, da idade da criança-problema e da dos restantes irmãos, da gravidade e do tipo de doença ou de deficiência, do seu prognóstico e evolução, dos cuidados médicos e familiares requeridos, etc. Dificilmente se poderia apresentar uma teoria geral sobre esta matéria. Mas pode dizer-se, genericamente, que a qualidade e a quantidade das relações dentro da família são modificadas pela presença de um elemento enfermo ou deficiente e, consequentemente, isto repercute-se, positiva e negativamente, no desenvolvimento de todos e, em particular, dos filhos sãos.
Face à doença ou deficiência, a maioria dos autores defende a ideia de que há uma sequência de estádios emocionais e atitudinais mais ou menos constante e universal: choque, negação, depressão, adaptação e reorganização.
Este encadeamento de acomodação ao problema é muito semelhante ao do processo de luto psicológico pela perda efectiva de uma pessoa amada. E é, no fundo, um luto que a família tem de elaborar pela criança-sã, tão ou mais complicado quanto é feito na sua presença...
Tudo se passa, então, de modo muito semelhante à perda de um filho/irmão por morte. A criança doente ou deficiente, embora não desapareça fisicamente, é, de certo modo, sentida como perdida para a família: muito embora dependa do grau de incapacidade da criança-problema, aquela não pode contar com ela para desempenhar (quase) nenhum papel específico no grupo familiar.
A partir do momento em que o problema surge, a criança-problema desobriga-se das suas anteriores funções na família (claro que se a criança já nasceu com o problema nem sequer nunca lhe foram confiadas quaisquer funções familiares...) Passa a ter apenas direitos e poucos (ou nenhuns) deveres, ficando, na maioria dos casos, numa completa dependência de todos os familiares sãos.
Daí que, normalmente, mesmo que o não seja, a criança-problema torna-se na mais nova da família, o que exige reestruturações nas posições fraternais dos irmãos: estes tendem a assumir, progressivamente, o papel de crianças mais velhas em relação ao irmão deficiente ou doente. Com este estatuto de mais nova, a criança-problema ganha as benesses dessa posição (um dos ganhos secundários da doença/deficiência) e desperta, com isso, as rivalidades dos restantes irmãos, sobretudo daqueles que perdem os privilégios da sua anterior posição na fratria e se vêem obrigados a assumirem novos papéis (desconhecidos e com mais responsabilidades):
?Cresci com uma irmã deficiente, diz uma outra mulher com amargura (...). Os meus pais (...) faziam-me sentir que, já que eu era normal, não merecia que se ocupassem de mim. Mas a minha irmã era servida como uma rainha, porque ela vivia numa cadeira de rodas. Tive sempre a impressão que ela exagerava a sua incapacidade, que ela se aproveitava disso. Quando eu perguntava alguma coisa, a minha mãe e a minha avó respondiam automaticamente: «Devias ter vergonha. A tua irmã tem muitas mais necessidades do que tu». E, de seguida, elas não compreendiam porque é que eu não era simpática com ela.?(1)
Ou seja: por causa do irmão-problema, a restante fratria vê-se, também, subtraída da atenção dos pais. Inicialmente porque os pais deprimem quando o problema irrompe na família ? e, como é facilmente compreensível, emergidos nesse período de luto, a sua capacidade de relação com os filhos fica-lhes diminuída. Depois, na continuidade, os cuidados e as atenções que o filho-problema requer fá-los negligenciar os restantes.
Os restantes filhos são, pois, abandonados e, ainda, obrigados a esforçarem-se por serem perfeitos, felizes, brilhantes e a darem aos pais todas as alegrias de que eles foram privados pelo aparecimento do problema. Como se os pais projectassem, nos filhos sãos, a imagem idealizada, do filho perdido. E, ainda, algumas vezes, a indisponibilidade parental (dos dois ou, apenas, de um deles) leva-os a que deleguem num dos filhos as suas funções, o que induz, na criança parentificada, comportamentos de hipermaturação que mais cedo ou mais tarde podem perturbar o desenvolvimento da sua autonomia.
O que queríamos destacar aqui é que não são APENAS os pais que sofrem com a doença ou deficiência de um filho. Os restantes filhos são, também eles, tocados pelo problema do irmão, quanto mais não seja através da dor e do luto dos pais ? como acabámos de ver.
Num próximo artigo continuaremos a discutir esta problemática. Talvez para concluirmos quanto as intervenções junto dos pais ? bem delineadas e realçadas em todos os manuais ? são incompletas, na medida em que só as intervenções junto de TODA a família (onde se incluem também os filhos sãos) nos podem ajudar a ajudar estas famílias com problemas.

1) In Faber, A.; Mazlish, E. (1995). Jalousies et rivalités entre frères et s½urs. Paris: Éditions Stock. (Obra original publicada em 1987).


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 145
Ano 14, Maio 2005

Autoria:

Otília Monteiro Fernandes
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro, Chaves
Otília Monteiro Fernandes
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro, Chaves

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo