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A Reconfiguração da Expansão da "Escola para Todos"

No futuro, o sistema educativo irá porventura funcionar cada vez menos como um sistema de selecção para colocar indivíduos num mercado de trabalho hierarquizado e relativamente estável (em que os lugares que o constituem são mais ou menos fixos) e cada vez mais como um sistema de formação ao longo da vida em que o desenvolvimento das identidades pessoais, culturais e comunitárias ocupa um lugar central.

Uma das questões que irá ser levantada no âmbito da rediscussão da Lei de Bases do Sistema Educativo será, inevitavelmente, a questão da expansão da escolarização para os 18 anos de idade. Na tentativa de recuperar os seus aparentes atrasos, Portugal parece estar empenhado em seguir os exemplos de outros países europeus que surgem como bem sucedidos na actual economia do conhecimento. Porém, é necessário não cair na tentação de enveredar por caminhos ?de salvação? que, a curto prazo, dariam frutos miraculosos.
De facto, não existem ?truques? que possam resolver a questão da expansão da escolaridade em Portugal de uma forma rápida e ao mesmo tempo consistente. Basta consultar as estatísticas para perceber que o sistema educativo tem evoluído, em termos quantitativos, de uma forma positiva ao longo das últimas décadas, recuperando, mais depressa até do que esperado, os seus atrasos face a outros sistemas educativos europeus. Crucial para os próximos anos é, contudo, consolidar o que já existe, sendo necessário sublinhar que a expansão, agora, já não é só da ordem da quantidade. Nesse sentido, é preciso pôr em causa o ?fosso? que existe entre o discurso político e o discurso pedagógico sobre a educação, desfazendo a oposição estéril entre pedagogia e performance e promovendo uma escola para todos baseada na excelência académica que, no fundo, não é mais (nem menos) do que a relação entre pedagogia e performance (ver o nosso livro A Escola para Todos e a Excelência Académica, Profedições, 2002).
Por outro lado, a expansão da escolaridade não pode ser pensada a partir da clivagem público-privado, dado que a estratégia das classes médias é a de se apropriarem das ?lógicas da excelência? para colonizarem, com as suas preocupações (sobretudo a de como garantir um lugar para os seus filhos nas ?melhores? universidades e nos ?melhores? cursos para, a seguir, garantir para os mesmos um lugar confortável no mercado de trabalho), a própria dicotomia, aproveitando do público quando o público lhe convém e do privado quando é necessário.
A expansão qualitativa do sistema educativo tem também de acontecer na base do reconhecimento das diferenças que hoje ?invadem? as escolas, assim como na base do reconhecimento dos motivos pelos quais a escola é ?invadida? (desde o reconhecimento de que o capital escolar é um meio privilegiado para a mobilidade social, até à assunção da escolaridade como moeda de troca para aceder a benefícios sociais, passando pela procura da escola auto-monotorizada - ensino recorrente).
O reconhecimento das diferenças, a reconceptualização da cidadania com base nessas diferenças e a promoção de um processo de ensino-aprendizagem fundado no conhecimento como um valor em si mesmo (à la Rousseau) - e não somente em competências flexíveis baseadas nas necessidades de curto prazo da economia -, poderão ser a pedra-de-toque para a redinamização da expansão: não se ensina, só se aprende.
A desaceleração e decréscimo demográficos são apenas um ingrediente a ter em conta para pensar a expansão do sistema, pois a idade do ensinar-aprender volatilizou-se. À medida que a escolarização pode ser integrada nos guiões dos sujeitos e a reflexividade se torna uma característica importante do exercício dos direitos e deveres de cidadania, a ?idade escolar? diversifica-se, assim como o próprio conceito de expansão. Este processo depende da capacidade do sistema se descentrar, de assumir lógicas de desenvolvimento que não sejam restritas somente à lógica da cidadania atribuída pelo estado-nação.
No futuro, o sistema educativo irá porventura funcionar cada vez menos como um sistema de selecção para colocar indivíduos num mercado de trabalho hierarquizado e relativamente estável (em que os lugares que o constituem são mais ou menos fixos) e cada vez mais como um sistema de formação ao longo da vida em que o desenvolvimento das identidades pessoais, culturais e comunitárias ocupa um lugar central. A educação para a ocupação de lugares bem definidos e fixos coexistia com a estrutura disciplinar do conhecimento e da sua contextualização escolar. A educação ao longo da vida parece visar um outro tipo de conhecimento, aquele que torna os indivíduos e grupos mais competentes para circularem num mercado de trabalho reestruturado pelo capitalismo informacional.
Os argumentos para a expansão são, assim, a formação de melhores trabalhadores (mais performativos), melhores cidadãos (mais reclamantes) e indivíduos e grupos formados no sentido de lidarem com as escolhas que constituem as suas vidas. No entanto, repetindo, a batalha não parece ser apenas a da ?quantidade? para a Europa ver, mas a do aproveitamento, perspicaz, da chamada crise da ?escola para todos? para reconfigurar a própria expansão no sentido de responder às necessidades das novas formas de cidadania, aos novos contornos do mercado de trabalho e à nova importância do conhecimento/informação nas sociedades modernas. Ao mesmo tempo, as políticas que surgem para enfrentar essa crise podem aproveitar o ensejo para se recriar como instrumento dos trabalhadores, dos cidadãos e dos indivíduos e grupos.

Nota:
O texto editado nesta pagina no mês passado com o título: «Porque é que Montse resiste à escola? A marginalidade social subjectivamente questionada», por lapso, foi editado sem a indicação do nome da rúbrica [RECONFIGURAÇÕES] e sem identificação do autor [Chavier Bonal,  Professor da Universidade Autónoma de Barcelona].  Ao autor e aos leitores as nossas desculpas.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 145
Ano 14, Maio 2005

Autoria:

Stephen R. Stoer
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. do Porto
António M. Magalhães
Univ. do Porto
Stephen R. Stoer
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. do Porto
António M. Magalhães
Univ. do Porto

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