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Autoridade pedagógica e sabedoria ética

Na base da educação está a relação entre professor e aluno
feita de autoridade, reconhecida pelo aluno
e assumida com sabedoria pelo professor.

Jacques Delors. 2004

A autora destas linhas profissionalizou-se na função docente num tempo marcado pelo espírito de revolta em relação a todas as formas de autoridade. Um tempo de rupturas extraordinárias, sedento de novidade e profundamente crente nas mais ambiciosas promessas de futuro. Mas, paradoxalmente, um tempo obsessivo em relação à fruição do presente. Éramos jovens, queríamos o mundo e queríamo-lo sem demoras ou concessões. Radicalizando o apelo de Bachelard, entendíamos que cada um deveria saber tornar-se em «Prometeu de si-mesmo» num mundo com muitos direitos e poucos deveres, sendo que um deles, o mais fundamental, dizia respeito ao compromisso para com o próprio bem-estar. A vida era olhada como um crédito imenso, tudo era possível, tudo era permitido. Palavras como obediência, esforço, tacteamento, paciência ou disciplina, perdiam sentido em dias que eram, sempre, primeiros dias. E não éramos só nós, era o mundo todo que tumultuava em estado de juventude.
Que significado tem reclamar agora o respeito pela autoridade daquele que ensina ? o educador professor? Será que, porque nos fomos fazendo menos novos, acabámos por capitular perante as exigências autoritárias e conservadoras do passado?
Assumindo convictamente a autoridade como um valor pedagógico e, nessa medida, como eixo de identidade profissional docente, retomo a «lição» desse tempo jovem, solidário, ingénuo e incrivelmente generoso, para sublinhar as competências que, a meu ver, evidenciam a sabedoria ética dos professores. Competências como hospitalidade, responsabilidade e bondade. Hospitalidade entendida como capacidade de abertura, de escuta e de relação, como disposição para acolher a diferença misteriosa testemunhada por outro ser humano e a partir da qual se desenvolve uma responsabilidade profissional activa. Uma responsabilidade que, ao ser também investida pelo poder subversivo da bondade, deve ser vivida num contexto de sensibilidade, diálogo, atenção e cuidado. Uma responsabilidade afirmada, portanto, como autoridade sem autoritarismo. Neste sentido, vejo a autoridade numa lógica de proximidade pessoal e não de distância ou incomunicação, como acontecia outrora. É aqui que situo a herança preciosa da chamada «não-directividade». Valores como empatia, congruência, consideração positiva, os princípios basilares da corrente anti-autoritária defendida por Carl Rogers, mantêm toda a sua pertinência no âmbito de uma pedagogia que desejamos centrada na aprendizagem.
O respeito pela autoridade do professor é condição de toda a relação de ensino ou prática relacional motivada pela intenção de apoiar o processo de desenvolvimento de outra pessoa. Comprometermo-nos no acto educativo implica aceitar o peso dessa responsabilidade, da qual não podemos demitirmo-nos sem negar a essência da função docente. Claro que, como acontece com qualquer outro poder, o exercício da autoridade pedagógica carece de ponderação moral. Daí a pertinência do lugar da ética e da deontologia na formação dos professores, capacitando-os para as exigências da relação interpessoal, para a decisão profissional e para a resolução de problemas, conflitos e dilemas éticos.
Sem esquecer, no entanto, que enquanto figura de autoridade o professor não está sozinho. O professor só poderá exercer a sua responsabilidade com eficácia e sabedoria em cooperação com outros actores envolvidos na tarefa educativa, salientando aqui o papel crucial das famílias. Além de que a autoridade do professor é indissociável da autoridade da própria escola enquanto instituição. Acredito que as dificuldades que hoje se colocam ao nível da autoridade pedagógica do professor não são alheias à pluralidade e diversidade de mandatos sociais que se fazem sentir sobre a escola e sobre as pessoas que nela exercem a sua actividade profissional. O respeito pela autoridade do professor não começa nem acaba dentro das comunidades educativas. As notícias sobre actos de vandalismo, de agressão, de indisciplina e de violência praticados em contexto escolar que, com progressiva frequência, chegam à «opinião pública» constituem sintoma de um mal maior e que remete para um universo de responsabilidades partilhadas. Ignorar esses sinais de alarme representa uma falha grave, e de consequências imprevisíveis, na missão que, afinal, é de todos ? a da construção de uma cidadania participativa e universalmente inclusiva.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 144
Ano 14, Abril 2005

Autoria:

Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto
Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto

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