A professora e pesquisadora Eglê Pontes Franchi, conhecida por sua experiência com a alfabetização de crianças e também com a formação de professores, num de seus trabalhos(1) afirma que: «Os professores vivem tempos difíceis e paradoxais. Apesar das críticas e das desconfianças em relação à sua competência profissional, exige-se deles quase tudo». Como avaliar as suas palavras? Concordo com a distinguida educadora. Enfrentamos problemas de diferente natureza: com os baixos salários que recebemos; também, em muitos casos, com a falta de materiais e equipamentos necessários para o trabalho pedagógico nas escolas; com a violência da sociedade refletida e presente no cotidiano escolar; com a expectativa de alguns pais de que possamos suprir afetiva e materialmente faltas que eles não o podem. Mas nem tudo é problema, há também os desafios. Entre eles, estarmos preparados para participar da gestão democrática de estabelecimentos e de sistemas de ensino. No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/1996) prevê ?gestão democrática?, o que implica a participação dos professores de todos os níveis de ensino, da Educação Infantil à Superior, em complexos processos de planejamento e de avaliação, não apenas do ensino e de aprendizagens, de textos e de outros materiais escolares. Somos instados, por força de lei, a participar da elaboração do projeto pedagógico, do plano de desenvolvimento institucional dos estabelecimentos onde trabalhamos; somos convidados a opinar sobre os planos nacional e estaduais de educação. Apesar disso, as autoridades superiores têm esperado que sejamos somente executores de planos, diretrizes curriculares, para cuja concepção e elaboração, na maior parte das vezes não somos consultados. - Por que os professores em exercício nas salas de aula não assumem papel de efetivos participantes nos processos de planejamento e avaliação da educação, nas suas dimensões política e pedagógica? No meu entender, isto se prende de um lado à tendência centralizadora da administração dos sistemas de ensino, em nosso país. De outro, à idéia infelizmente muito difundida, e reforçada até mesmo em discursos proferidos por algumas autoridades, de que somos profissionais cuja formação deixa a desejar. - Por isso os tempos seriam difíceis? Sem dúvidas. Seria uma incoerência sem conta, aceitarmos ser desprestigiados enquanto profissionais. Assumirmos papel unicamente de executores numa sistemática de implantação de políticas educacionais, que se pretendem democráticas e atentas à dignidade do ser humano, quando nossa dignidade está sendo ferida. Em outras palavras, enquanto cidadãs e cidadãos, profissionais da educação, nos vemos no dever e no direito de influir além das decisões pedagógicas que se restringem à sala de aula. Precisamos, pois, discutir e buscar estratégias para combater discriminações que sofremos. - Os professores sofrem discriminações e devem, inclusive por exigência legal, combater discriminações? É isto mesmo. Estamos convencidos, muitos professores, que analisar, discutir discriminações no cotidiano das escolas, exige submeter à crítica também as discriminações que nós professores sofremos, assim como aquelas que produzimos, ou ajudamos a reproduzir. Tudo isto, com o propósito não unicamente de fazer denúncias, mas sobretudo com o de participar de decisões que redundem em políticas públicas educacionais realmente eficazes. - Se assim for, não estariam os professores afastando-se do seu papel central ? educar crianças, jovens e também adultos no mundo das letras e das ciências, formar cidadãos? Não, ao contrário. A escola é lugar e núcleo gerador da nossa atuação profissional. Enquanto profissionais, nos formamos também no cotidiano do trabalho. Na execução de nossas funções, entre elas, a de participar da gestão dos estabelecimentos onde atuamos, a de colaborar para a formação de políticas do interesse das comunidades onde estão as nossas escolas. A democracia da gestão que a lei maior da Educação Nacional assegura, requer que nós, professores, sejamos agentes da construção e execução das metas educacionais das nossas escolas, da suas comunidades e sirvamos de ligação entre elas e o sistema de ensino. A formação de nossos alunos como futuros cidadãos atuantes, numa sociedade multiracial e pluricultural como a brasileira, exige que também nós saibamos e tenhamos condições de participar diretamente das decisões da gestão de nossas escolas e nas instâncias devidas também dos sistemas de ensino. - Estes tempos difíceis estão trazendo novos traços para a identidade dos professores? Como se vê, novos traços estão sendo adicionados a nossa identidade de profissionais. Traços que os movimentos de professoras e professores, ao longo do século XX, delinearam e consolidaram, hoje, as políticas educacionais reconhecem. Coragem para os desafios não nos falta, já o mostramos ao longo da história do magistério brasileiro. Precisamos de condições para sempre aperfeiçoarmos nossa formação, que como a de qualquer outro profissional precisa sempre ser ampliada, complementada, ao longo do seu exercício.
1) FRANCHI, Eglê P.(1995) A Insatisfação dos Professores: conseqüências para a profissionalização. In:org. A Causa dos Professores. Campinas, Papirus. p. 17-90. p. 79.
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