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"A educação não pode estar sujeita ao critério dos partidos políticos"

Que expectativas encerram os professores face ao futuro próximo da educação em Portugal? Quais as principais dificuldades vividas hoje pelas escolas e pelas comunidades educativas? Existe vontade para contrariar o actual ciclo de desânimo e contornar com propostas e ideias os problemas que afectam o contexto educativo? Ao longo dos próximos números, também neste espaço, a Página irá tentar responder a estas e a outras questões através de "consultas de diagnóstico" efectuadas por escolas de todo o país. Nesta edição, entrevistamos Ana Rita Fernandes, presidente do conselho executivo da Escola Básica de 2º e 3º ciclos de Maria Lamas, no Porto.
Professora desde há 14 anos, cumpre actualmente o seu quinto ano de docência na Maria Lamas e integra desde o princípio a comissão instaladora que instituiu o agrupamento de escolas de que é sede. No início do corrente ano lectivo foi eleita presidente do conselho executivo, tarefa que diz ter assumido como "um desafio". Nesta entrevista, Ana Rita Fernandes faz o balanço desta sua experiência e aponta caminhos para alguns dos problemas que afectam o seu quotidiano.

A Escola Básica 2, 3 Maria Lamas é, desde há cinco anos, sede de um agrupamento de escolas. Como tem decorrido a implementação desse processo e a articulação entre os diferentes estabelecimentos de ensino que o compõem?

Este é já o quinto ano que funcionamos em rede. Apesar de algumas resistências verificadas inicialmente, próprias de um processo que se inicia pela primeira vez, e de haver ainda alguns aspectos organizativos que podem ser melhorados, julgo que a comunidade educativa compreendeu a finalidade de um projecto desta natureza. De uma maneira geral posso afirmar, por isso, que o balanço é positivo.

A que aspectos organizativos se refere?

Apesar de os estabelecimentos de ensino que compõem o agrupamento estarem situados num contexto geográfico próximo, nem sempre existe a coordenação que seria desejável num projecto com características de rede. Mesmo com a existência de espaços e de tempos de comunicação próprios, cada coordenador está naturalmente mais atento às questões que dizem respeito à sua própria escola e nem sempre consegue ter uma percepção de conjunto da realidade educativa.
No sentido de melhorar o contacto e a coordenação entre os diferentes estabelecimentos de ensino, estamos a pensar em pôr em prática uma espécie de ?presidência aberta?, deslocando temporariamente o conselho executivo para cada uma das escolas. Dessa forma, acreditamos que seja possível trabalhar em conjunto mais eficazmente.
Outro problema com que nos deparamos, e para o qual estamos também a trabalhar, refere-se ao orçamento. Isto porque, apesar de no seu conjunto constituírem uma unidade orgânica, cada escola tem um orçamento próprio - um proveniente do Estado, através do Ministério da Educação, outro que é concedido pela autarquia através das juntas de freguesia -, o que cria problemas de gestão financeira pelo facto de as verbas não poderem ser geridas a partir de um fundo comum. Depois, os próprios critérios aplicados pelas juntas de freguesia com quem trabalhamos diferem entre si.
Tudo isto torna difícil pôr em prática um projecto educativo comum. Nesse sentido, julgo que seria indispensável criar um mecanismo que permitisse a criação e gestão de um orçamento global.

Essa falta de capacidade para construir mecanismos organizativos próprios que facilitem o quotidiano das escolas contradiz o espírito da Lei de Autonomia das Escolas?

Sim, claramente. A autonomia das escolas, à luz do decreto que a regulamenta, é bastante relativa, centrando-se sobretudo nos aspectos pedagógicos e esquecendo os mecanismos e as verbas que permitam corresponder às expectativas que as escolas criam no início de cada ano lectivo.

De que forma se implementa e se articula um projecto educativo comum a partir de um conjunto de escolas que podem ter contextos sociais e culturais tão diversos?

Um projecto educativo é um documento orientador com uma vigência de três anos. O nosso termina no final deste ano lectivo e estamos actualmente a proceder à sua avaliação. Na altura em que o implementamos, ele foi construído a partir de inquéritos conduzidos nos diferentes estabelecimentos de ensino, junto de pais, alunos, funcionários e professores, de forma a fazermos um diagnóstico geral das necessidades existentes e das metas que pretendíamos alcançar.
O projecto educativo do nosso agrupamento centra-se em três eixos fundamentais: a formação integral do aluno (tendo em conta o contexto sócio-económico difícil da maioria dos alunos decidimos dar particular importância a uma formação que privilegiasse os aspectos educativos e de cidadania); a segurança das instalações; e o embelezamento dos espaços físicos.
A articulação entre os diferentes ciclos é assegurada através de reuniões periódicas onde se avaliam os processos e se faz o acompanhamento e a avaliação do percurso escolar de cada aluno, cuja informação é cruzada para permitir uma leitura de conjunto.

Apesar de a avaliação do actual projecto educativo não estar ainda concluída, apercebeu-se de aspectos que considere importantes serem trabalhados no próximo projecto?

Sim, sobretudo no que se refere ao abandono escolar precoce, que nesta escola é significativo e não cessa de aumentar. Partindo do diagnóstico que temos vindo a realizar, a falta de interesse dos alunos face à escola deve-se, em grande parte, à ausência de expectativas face ao futuro, na base da qual estão problemas sócio-económicos graves e a inexistência de uma retaguarda familiar eficaz.
Para tentar inverter esta situação, lançamos este ano um projecto para a criação de um espaço de apoio e acompanhamento individual dos alunos mais problemáticos, onde os professores funcionam, de certo modo, como tutores. No fundo, procura-se perceber o que os leva a adoptar determinadas atitudes e a procurar resolver o que está na sua origem. A avaliação relativa ao primeiro período foi positiva e permitiu resolver alguns problemas disciplinares.

A resolução de um problema dessa natureza não deveria envolver outras instituições com maior poder de intervenção social?

Sem dúvida, mas essa articulação torna-se, na maioria das vezes, difícil de concretizar. Na área da saúde, por exemplo, temos um projecto de articulação com o centro de saúde de Aldoar, através do qual se desenvolvem actividades de rastreio oftalmológico, dentário e nutritivo nas diferentes escolas que constituem o agrupamento. Em termos sociais a intervenção é mais difícil, porque estamos limitados em termos legais e pela própria natureza das instituições educativas.

  Pensa que a escola poderia servir melhor o seu propósito se houvesse uma articulação de facto entre as diversas instituições que actuam na área social? Esse sistema funciona ou "vai funcionando"?

Sinceramente, penso que vai apenas funcionando? E, na maioria dos casos, só depois de muita insistência é que os processos avançam. A grande falha é precisamente essa. No nosso caso temos a felicidade de podermos contar com uma psicóloga ? muitos agrupamentos não têm a mesma sorte ? que vai detectando e diagnosticando os problemas dos alunos. Mas ela só por si não consegue dar resposta a todas as solicitações, e quando as encaminha para as instituições próprias elas levam muito tempo a resolver situações que necessitariam de respostas mais urgentes.

Considera que os conselhos municipais de educação poderão constituir uma resposta no sentido de melhorar a coordenação entre diferentes estruturas?

Ainda não tenho informações concretas sobre as medidas que serão implementadas pelo Conselho Municipal de Educação (CME). Para já, sei apenas que ele está constituído e que requereu à Câmara Municipal do Porto a realização de um levantamento para apurar a situação dos agrupamentos no concelho, procurando saber quais as dificuldades sentidas pelas escolas, se as parcerias funcionam, o que pode e deve ser alterado, etc.
Existe, neste âmbito, um outro instrumento de trabalho que funciona em complementaridade com o CME, a Carta Educativa, que se encontra, também ela, numa fase de auscultação. É todo um trabalho que se está a iniciar e que certamente levará o seu tempo a produzir efeitos.

As escolas do ensino básico vão passar para a alçada dos municípios. Faz ideia ou já foi informada de que forma se irá processar essa transição de competências?

Não, mas sei que a Carta Educativa prevê, nomeadamente, que a avaliação do pessoal docente e não docente do ensino básico e pré-escolar passe a ser efectuada pelas câmaras municipais.

Para quando está prevista a transição definitiva?

O decreto-lei que regulamenta este processo não especifica a data de transição de poderes. Mas é importante que se definam prazos e objectivos, até pelas implicações do previsível reordenamento da rede escolar na organização dos recursos humanos e dos espaços físicos. Mais ainda no que se refere à cidade do Porto, que perde um número crescente de alunos do ensino básico para as escolas da periferia.

Concorda com a presença de gestores profissionais nas escolas?

Não. Penso que gerir uma escola não é o mesmo que gerir uma empresa. Um gestor profissional, que não tem formação na área da pedagogia, poderá ter a tentação de ver uma escola numa perspectiva demasiado racional e esquecer que a nossa ?matéria prima? são indivíduos, não um qualquer produto que se queira rentabilizar.
Considero que as pessoas mais indicadas para desempenhar essa tarefa são os professores, cuja experiência pedagógica, aliada a uma formação em gestão, constitui uma mais valia insubstituível. É preciso entender que se as relações humanas não funcionam no interior da escola, nada mais funciona.

O que espera do novo executivo socialista? Acredita que poderá trazer alguma mudança?

Eu não costumo ser pessimista e acredito sempre que possa haver uma mudança para melhor. Independentemente do partido que está no governo, o que me preocupa são as sucessivas reformas e mudanças que se operam constantemente na área da educação, que não permitem sequer avaliar o seu impacto. A educação é um bem demasiado precioso para estar sujeita ao critério dos partidos políticos. As políticas educativas deveriam basear-se num projecto coerente e a prazo, caso contrário nunca sabemos com o que podemos contar. Penso que, no fundo, é esta atitude de incerteza que vai desmotivando os professores.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 143
Ano 14, Março 2005

Autoria:

Ana Rita Fernandes
Professora
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ana Rita Fernandes
Professora
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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