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Novas eleições - Mais perguntas que respostas

A Educação, como possibilidade de emancipação e direito humano básico, está hoje fortemente amordaçada numa complexa teia de interesses espúrios, que estão a hipotecar o futuro das novas gerações

Vivemos hoje num mundo muito diferente daquele que existia há duas, três décadas atrás. Acontecimentos vários durante todo o século XX e, nomeadamente, ao longo dos anos oitenta, alteraram profundamente os contornos das variáveis espácio-temporais e, pela natureza do seu conteúdo (político, cultural e económico), ampliaram consideravelmente a visibilidade social das mudanças que se seguiram. Nomearei essencialmente cinco acontecimentos sociais decisivos nessa viragem que abriu as portas para aquilo que hoje designamos de globalização: i) o derrube do Muro de Berlim, que dividia a Alemanha em dois sistemas políticos, económicos e culturais diferentes ? sistemas esses que, durante algumas décadas, se equilibraram entre si com base na suposta e duradoura eficácia da chamada "guerra fria"; ii) a expansão das lógicas do capitalismo (dito democrático) que se traduziu na avidez pela ocupação ou reocupação imediata dos espaços nacionais anteriormente hegemonizados por projectos identificáveis com o socialismo real; iii) a expansão das tecnologias da informação e da comunicação que abriu caminho, entre muitas outras possibilidades, para a criação da sociedade rede e do Estado-rede; iv) a subida ao poder, nos países capitalistas centrais, de governos de índole neoliberal e neoconservadora (e o consequente ataque ao Estado-providência); e v) a diminuição persistente da autonomia relativa dos Estados-nação, sobretudo daqueles que se localizam na periferia e na semiperiferia do sistema mundial.
Todos estes acontecimentos, aqui nomeados separadamente, estiveram e estão, todavia, em profunda, complexa e contraditória articulação; todos estes acontecimentos foram e são incontornáveis quando queremos pensar criticamente as sociedades actuais; todos estes acontecimentos tiveram e têm um impacto considerável na Educação e nas políticas educativas contemporâneas. Indico, a este propósito, apenas alguns vectores que exemplificam as articulações e conexões referidas, e que sugerem alguns dos eventuais caminhos analíticos para que possamos equacionar melhor as mudanças em curso: i) a Educação, em geral, está cada vez mais marcada por acontecimentos que ligam o local e o global; ii) as políticas educativas actuais são, em grande parte, configuradas pelos ímpetos neoconservadores e neoliberais, visíveis, nomeadamente, na imputação de responsabilidades crescentes aos professores, acusados do aprofundamento da incapacidade da escola para atender às supostas exigências de um capitalismo mais competitivo e globalizado; iii) a crise actual da escola pública decorre, em grande parte, do desinvestimento crescente do Estado nacional nas políticas sociais, desinvestimento esse, em parte, congruente quer com a perda acentuada da sua autonomia relativa, quer com a tendência para uma mais explícita privatização e mercadorização da Educação; iv) a hegemonia de alguns países centrais reflecte-se não apenas em termos económicos mas também nas pressões para uma maior uniformização cultural (constatável, entre muitos outros aspectos, na MacDonaldização da sociedade e na desvalorização etnocêntrica de culturas não Ocidentais); v) a lógica do capitalismo globalizado vem corroendo o carácter e destruindo os laços de solidariedade dos trabalhadores que, amedrontados pelos processos de exclusão social, aceitam deixar de lutar colectivamente pela conquista, consolidação ou manutenção de direitos fundamentais, em troca da aceitação da precariedade dos vínculos laborais ? precariedade interiorizada como inevitável, assumida como responsabilidade exclusivamente individual e vivida como exploração desejável (certamente mais desejável do que o desemprego); vi) o aumento das desigualdades educacionais continua a potenciar as desigualdades sociais, havendo novos factos que interrogam a Educação e os seus actores, como sejam a info-exclusão e as novas e contraditórias pressões sociais e políticas que remetem a escola para dilemas que ela e os seus profissionais são (ou parecem ser) incapazes de resolver; vii) a crise de motivação dos professores e dos jovens que frequentam a escola torna cada vez mais difícil equacionar a possibilidade de uma nova reflexividade ? potencialmente (e paradoxalmente) passível de ser desenvolvida pelas tecnologias da informação e da comunicação, ou impulsionada pelo aumento exponencial do acesso e domínio dos conhecimentos supostamente decorrentes da chamada sociedade cognitiva; viii) a clausura no individualismo mais alienante, em grande medida decorrente da interiorização da competição neodarwinista e da redefinição dos processos juvenis de socialização, não é certamente indiferente ao desemprego estrutural, à sociedade de risco e à persistente configuração dos modos e contextos de escolarização tradicionais.
Afastando-me simultaneamente do fatalismo sociológico e do optimismo pedagógico, reconheço que a Educação, como possibilidade de emancipação e direito humano básico, está hoje fortemente amordaçada numa complexa teia de interesses espúrios, que estão a hipotecar o futuro das novas gerações. Às vésperas de novas eleições e num momento de transição para um outro governo, que respostas podemos encontrar para estas e outras perguntas?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 143
Ano 14, Março 2005

Autoria:

Almerindo Janela Afonso
Universidade do Minho
Almerindo Janela Afonso
Universidade do Minho

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