Cabe ao professor um dos papéis mais importantes: ensinar que o património é apropriado e reapropriado pelas comunidades para reivindicarem as suas identidades culturais particulares, mas sempre em contextos de deslocação quer no espaço, quer no tempo?.
Falar de património sem nos referirmos à educação e aos seus agentes, nomeadamente, aos professores, pode corresponder, de certo modo, a um pensamento anquilosado. As questões do património prendem-se com duas problemáticas fundamentais que presidem à própria fundação das sociedades modernas e que, em certa medida, são também causas e consequências da instalação desse mesmo paradigma a que se convencionou chamar moderno: uma é a da própria educação, a outra é a do tempo. A educação ?democrática? e a noção de ?tempo?, tal como a de património, invenções e inventores do próprio conceito de modernidade, são hoje questões tão polémicas quanto complexas pois estão no centro do pensamento e da própria vida das denominadas sociedades pós-modernas. Neste sentido, e em torno da problemática do património e da educação colocam-se duas questões fundamentais: 1 ? Como pode o património ser reapropriado ou reinventado pelas diversas comunidades, para, através dos seus próprios projectos educativos, incentivarem à recriação das suas identidades locais em face do processo de globalização actual? 2 ? A outra questão tem que ver com o tempo e conduz-nos à seguinte interrogação: Como resolver a aparente contradição entre os ideais pós-modernos da inovação, da liberdade individual, da urbanização, da competitividade, do culto pelo novo e pela juventude, e o germinar de um interesse, sem precedentes, pelo património, pela herança cultural? Parece existir mesmo uma obsessão pela preservação da memória: quanto mais antigo melhor. Poderíamos mesmo dizer que há hoje um culto renovado pelo património. As próprias organizações internacionais, como a UNESCO, produzem cada vez mais documentação em que realçam a importância do património, agora também o imaterial. E a noção de património da humanidade? Todos os anos se assiste a milhares de candidaturas de realizações humanas de culturas particulares a património da humanidade! Agora já no séc. XXI, as comunidades continuam a observar o poder da sua herança cultural, e mesmo natural, como meio de reivindicação identitária, enquanto resposta à globalização de ideias, bens, capitais e serviços. Por outro lado, e apesar da liberdade individual constituir um dos principais apanágios das sociedades pós-modernas, nenhum ser humano pode viver à margem de uma ou várias comunidades. Esta, tal como a família, é uma âncora que nos piores momentos nos concede segurança, carinho e amor, tão necessários à nossa sobrevivência, vivamos nós em Nova Iorque ou em qualquer outra metrópole cosmopolita mundial. E as comunidades reivindicam cada vez mais a sua identidade por intermédio da divulgação do património, num processo educativo que podemos considerar muito importante, ainda que, de certa forma, bem mais informal do que a escola moderna. Num tempo sem tempo, e num espaço sem espaço, as comunidades, agora deslocalizadas nesses dois conceitos, inventam e reinventam uma identidade com raízes nas realizações dos seus antepassados, testemunhadas naquilo que é definido como património. Hoje, portanto, o património surge como uma janela aberta que permite legitimar a nossa existência, a nossa segurança, e a nossa inserção numa ou mesmo em várias comunidade(s), ainda que tantas vezes inventadas e reinventadas permanentemente. Em todo este processo, cabe ao professor um dos papéis mais importantes: ensinar que o património é apropriado e reapropriado pelas comunidades para reivindicarem as suas identidades culturais particulares, mas sempre em contextos de deslocação quer no espaço, quer no tempo?.O renovado interesse pelo património e pela sua divulgação suscita novas visões e demonstra como a cultura e a própria identidade cultural estão permanentemente em construção. E agora professor, vamos educar para o património?
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