Olhei as reclusas e reparei como eram pobres. E reparei como grande parte delas eram ciganas. E reparei que algumas não tinham mais de dezanove anos. Nas camaratas, sempre «frias», apesar de confortáveis, algumas memórias do exterior - corações bordados, fotografias...
Há dias visitei o estabelecimento prisional para mulheres de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos, um novo modelo de parceria público/privado (Estado/Santa Casa da Misericórdia), que levanta questões muito sérias sobre a potencial alienação dos deveres públicos e a criação de um mercado de «bens prisionais». Novinho em folha, cheirando ainda às tintas e aos materiais de construção, quase que poderíamos à primeira vista dizer que se tratava de um moderno edifício de escritórios, tal a largura das entradas, a claridade das paredes, a omnipresença da luz. Acredito, aliás, nos efeitos sociais do espaço, na possibilidade de abrirem ou fecharem o leque de relações sociais, no seu intrínseco poder (porque de um poder se trata) de esmagar ou alargar as margens de manobra dos agentes sociais. Mas, é claro, a sensação cedo desvanece, mesmo depois de apreciarmos a qualidade dos serviços médicos, a espantosa creche para os filhos das reclusas ou o imenso e colorido pavilhão gimnodesportivo. Olhei as reclusas e reparei como eram pobres. E reparei como grande parte delas eram ciganas. E reparei que algumas não tinham mais de dezanove anos. Nas camaratas, sempre «frias», apesar de confortáveis, algumas memórias do exterior - corações bordados, fotografias... Uma das camaratas tinha a particularidade de albergar quatro jovens romenas, apanhadas a mendigar nos semáforos sem papéis e com os filhos ao colo. Choravam noite e dia, um cântico interminável e doloroso, porque um qualquer juiz determinara que os bebés deveriam ser-lhes retirados e entregues a uma instituição. O absurdo, dizia-nos a directora da cadeia, é que ninguém sabe onde eles estão e aquele estabelecimento tem a particularidade, precisamente, de possuir uma creche quase por estrear, com técnicas motivadas e lindos desenhos nas paredes... No pátio, um grupo de raparigas ensaiava uma coreografia de ginástica rítmica. O Sol, a pique, era total, porque não se vislumbrava qualquer nuvem. Em nítido recorte contra o céu, um alto e inexorável muro lembrava-nos a prisão. Portugal tem uma das maiores populações prisionais per capita da Europa. E a maior taxa feminina de encarceramento. O desemprego, a pobreza, o analfabetismo e os baixos salários são fortemente feminizados. Para quando um país que cumpra o desiderato constitucional de sermos um «povo de homens e mulheres»? Para quando um Estado Social sólido, estratégico, inclusivo? Para quando o fim do Estado Penal?
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