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Não me dão pena os vencidos

Num portal vermelho, em português do Brasil, Dorberto Carvalho escrevia, em Abril de 2004, que ?Poesia não enche barriga, não mata  lombriga, não dá camisa a ninguém?.
Dizia ele que ?Poesia não parece algo sério, não  paga aluguel nem compra jazigo no cemitério?. E ?Poesia parece coisa de desocupado, de quem não tem o que fazer ou está desempregado?.
Senhor Dorberto Carvalho reconhece que ?Poesia é coisa de quem está sonhando,  viajando ou fora da realidade?. E diz mesmo que ?Poesia não vale o que está escrito,  poesia é o rito - ora brinquedo e imagens  detrás das palavras?.
E política? Não pode ser poesia? E poesia não pode ser política? Recordemos a ?Ode à maçã?, poema de Pablo Neruda .?Eu quero uma abundância total, a multiplicação de tua família. Quero uma cidade, uma república, um rio Mississipi de maçãs. E em suas margens, quero ver toda a população do mundo unida, reunida no acto mais simples de toda a terra: mordendo uma maçã?.
Num outro registo, diz o insuspeito The Guardian que Saddam Husein, prisioneiro das tropas americanas que ocupam o Iraque, escreve poesia enquanto aguarda, há um ano, pelo seu prometido julgamento.
Há 13 anos, em Fevereiro de 1992, ano 1 de ?a Página?, Artur Queiroz, que então assinava uma crónica (Submarino Amarelo) neste espaço, recordava o Porto ao vôo da pomba e Nicolas Guillen, o poeta das Américas, que em tempos encontrara na Bodeguita del Medio, em La Havana a jurar conhecer bem a cidade do Porto e os bares da Ribeira.
Não era fingimento de poeta. Guillen tinha estado no Porto e disso dava conta num poema sobre bares incluido num livro de 1958  ?La paloma de vuelo popular? ? Búscame, hermano, y me hallarás // (en La Habana, en Oporto, // en Jacmel, en Shanghai) // con la sencilla gente // que sólo por beber y charlar // puebla los bares y tabernas // junto al mar?.
É de Nicolas Guillen o célebre ?Tengo? a cantar as glórias de uma Revolução que começava a despontar.
?Cuando me veo y toco // yo, //Juan sin Nada no más ayer, // y hoy Juan con Todo, // y hoy con todo, // vuelvo los ojos, miro, // me veo y toco // y me pregunto cómo ha podido ser.// // Tengo,  vamos a ver, // tengo el gusto de andar por mi país, // dueño de cuanto hay en él, // mirando bien de cerca lo que antes // no tuve ni podía tener. // Zafra puedo decir, // monte puedo decir, // ciudad puedo decir, // ejército decir, // ya míos para siempre y tuyos, nuestros, // y un ancho resplandor // de rayo, estrella, flor.  // //Tengo, vamos a ver, // tengo el gusto de ir // yo, campesino, obrero, gente simple // tengo el gusto de ir // (es un ejemplo) // a un banco y hablar con el administrador // no en inglés, // no en señor, // sino decirle compañero, como se dice en español.// // Tengo, vamos a ver, // que siendo un negro // nadie me puede detener //a la puerta de un dancing o de un bar. (?)
Quem cantará, e a quem, este ter o que sempre se devia ter, agora que nos prometeram um novo rumo para Portugal ?
Nessa mesma Página de Fevereiro de 1992, publicava-se o Aviso à Navegação, do poeta Joaquim Namorado, um aviso que era um manifesto de saques e de abordagens de um navio de capitão de fragata ?cem vezes torpedeado // cem vezes afundado // Mas sempre ressuscitado ?Como dizia o poeta Joaquim Namorado ?não espereis de mim a paz, // aviso à navegação // não espereis de mim a paz // que vos não sei perdoar?
Lemos e relemos todas as sondagens e os resultados, num exercício repetido até exaustão?  Como que a tentar adivinhar o porquê e a lógica do poema eleitoral que vamos passar, agora, a declamar.
?No me dan pena los burgueses // vencidos. Y cuando pienso que van a darme pena, // aprieto bien los dientes y cierro bien los ojos?.


  
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Edição:

N.º 143
Ano 14, Março 2005

Autoria:

João Rita
Jornalista, Porto
João Rita
Jornalista, Porto

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