Página  >  Edições  >  N.º 141  >  Formação de professores necessita de mais formação prática e a investigação educacional

Formação de professores necessita de mais formação prática e a investigação educacional

João Pedro da Ponte é o coordenador da área de Formação de Professores no âmbito do grupo constituído pelo Ministério da Ciência, Inovação e Ensino Superior (MCIES) para a implementação do Processo de Bolonha em Portugal. Nesta curta entrevista, a PÁGINA questionou o autor sobre algumas das opções expressas no parecer que enviou ao MCIES e procurou saber quais as linhas de acção que poderão vir a orientar a formação de professores no futuro próximo.

Em linhas gerais, que principais alterações trará a aplicação do Processo de Bolonha na formação de professores em Portugal?

Os cursos de formação inicial de professores poderão ser profundamente remodelados, passando a haver uma matriz comum de formação para os professores de todos os níveis e ciclos de ensino, incluindo os educadores de infância. Isso garantirá que nos planos de estudo desses cursos existem todos os requisitos necessários a uma formação de qualidade para o desempenho de funções docentes ? incluindo não só os saberes da especialidade, mas também a formação educacional geral e específica, a formação prática e a iniciação à investigação educacional.
Os elementos de natureza profissional do professor serão trabalhados num ciclo de dois anos ? o segundo ciclo de estudos superiores ? segundo um modelo geral que é comum ao educador de infância, ao professor do ensino básico e também ao professor do ensino secundário. Deste modo, todos os professores em Portugal passarão a ter uma formação profissional com características comuns, incluindo os professores de grupos de docência para os quais a única possibilidade actual de acesso à profissão é através da chamada ?profissionalização em serviço?.
Para além disso, passará a haver mais flexibilidade no acesso aos cursos de formação de professores. Pessoas com diversos tipos de formação de base, já com um curso superior, em qualquer fase do seu percurso de vida, poderão candidatar-se aos cursos de formação de professores e, desde que satisfaçam os requisitos estabelecidos para o curso que pretendem, poderão ter a expectativa de o concluir num prazo de dois anos.

No parecer que elaborou para o MCIES está previsto que a formação de professores passe a ser realizada em duas etapas: uma primeira de banda larga e uma segunda de especialização. Porquê este modelo e não outros que têm vindo a ser defendidos (por exemplo, 3+1+1)?

Considero que um professor tem de ter uma formação de natureza profissional com um mínimo de 120 créditos ECTS (a medida europeia para os créditos do ensino superior) e para os conseguir, são necessários dois anos. Em menos tempo, é impossível proporcionar uma formação educacional geral e específica, uma formação prática e uma iniciação à investigação educacional com um mínimo de consistência e qualidade. Por outro lado, uma formação credível nas áreas de especialidade de docência, que em muitos casos envolve não apenas uma mas duas disciplinas, requer um mínimo de 180 ECTS, ou seja, três anos.
A maioria dos cursos de formação de professores que existem actualmente são de ?banda estreita? ? o aluno escolhe esse curso à entrada do ensino superior e o curso só tem como saída a docência. Esta situação dificulta a mudança de opção a meio do percurso, do mesmo modo que dificulta o planeamento de acordo com as necessidades sociais. Muitos alunos fazem essa escolha num momento em que ainda não têm muito amadurecido o que querem fazem no futuro e, muitas vezes, fazem-no mais numa lógica defensiva do que de afirmação de uma vontade positiva. Não vejo, por isso, qualquer vantagem no modelo 3+1+1, a não ser o de manter basicamente a situação actual, com todos os seus defeitos. É uma proposta que visa apenas dar continuidade ao status quo.

Uma das propostas contempladas no parecer define que metade dos créditos ECTS dedicados à formação profissional sejam reservados à formação prática e ao trabalho de investigação. Considera que esta é uma lacuna no actual modelo?

Não existe um ?actual modelo?, mas sim vários modelos bastante diferentes uns dos outros. Nos modelos de formação dos professores do 1º e 2º ciclo do ensino básico, a formação prática existe ao longo de vários anos, o que é positivo, mas a sua intensidade é muito insuficiente na fase final do curso. Deveria ser reforçada. Na generalidade dos modelos de formação de professores do ensino secundário, a formação prática é forte mas está exclusivamente concentrada no último ano do curso (estágio), o que também não é bom. Trata-se, portanto, de reformular a formação prática proporcionada aos formandos e estabelecer parâmetros mínimos que garantam que esta formação desempenha realmente um papel significativo.
A iniciação à investigação educacional não existe na generalidade dos cursos de formação inicial, seja de nível for, e isso é uma séria lacuna que é preciso preencher. Como se pode esperar que o professor reflicta sobre os problemas da sua prática profissional, se envolva em projectos na escola, a mostre abertura à inovação, se lhe faltam os instrumentos mínimos sobre os processos de construção de conhecimento válido sobre educação?

Também no parecer que elaborou prevê a realização de um exame final do período de formação. Quem defende que deveria ser responsável por essa prova: a instituição de formação ou o Ministério da Educação?

A certa altura ponderei essa hipótese mas a versão final do parecer não prevê tal exame. A reflexão realizada levou a concluir que o exame pode parecer uma solução prática e eficaz, mas a verdade é que tem mais inconvenientes que vantagens. Por um lado, existem muitos aspectos da competência profissional docente que não podem ser adequadamente avaliados num exame de papel e lápis, a realizar em duas ou três horas. Por outro lado, a existência de tal exame daria certamente lugar ao surgimento de cursos rápidos de preparação para obter boas notas, que seriam, muito possivelmente, a antítese do que são as boas práticas profissionais... Substituir um mau sistema por outro ainda pior não representa um grande progresso.
O parecer chama a atenção, isso sim, para o facto de existirem grandes disparidades nos valores médios das classificações finais que as instituições de formação atribuem aos seus diplomados. Não existe evidência de que às médias de classificações mais elevadas corresponda a maior qualidade da formação, antes pelo contrário. Considero que este problema só poderá ser ultrapassado na medida em que seja implementado um processo efectivo de avaliação e acreditação dos cursos, envolvendo a definição de critérios rigorosos de classificação profissional por parte das instituições de formação, com consequências para as instituições que revelem incapacidade para lidar com esta matéria.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

João Pedro Ponte
Professor na Faculdade de Ciências, Univ. de Lisboa
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
João Pedro Ponte
Professor na Faculdade de Ciências, Univ. de Lisboa
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo