Nas escolas as turmas nunca foram homogéneas culturalmente. Nem mesmo durante o Estado Novo, quando o manual era único. Contudo, a multiculturalidade na sociedade portuguesa em geral e na escola em particular tem vindo a crescer.
Ao Portugal orgulhosamente só, de Salazar, sucedeu o Portugal orgulhosamente inserido na fortaleza Europa. Ao Portugal do colonialismo e das guerras coloniais, sucedeu o Portugal procurado por imigrantes das ex-colónias e da Europa (a de Leste) que está do lado de fora da fortaleza. Ao Portugal das emigrações para a Europa do Norte e para o Brasil sucedeu o Portugal que precisa de quem trabalhe nas obras, nas limpezas e na restauração. Portugal transformou-se, assim, num país de imigração. Com a entrada de milhares de estrangeiros em Portugal, ?reforça-se a matriz multicultural marcada desde há séculos por minorias tradicionais como a comunidade cigana, a judaica e a própria comunidade de surdos (que se exprime numa língua própria, a língua gestual portuguesa)? (Souta, 1997: 36). Assim, as turmas tornaram-se ainda mais heterogéneos culturalmente. Mas já não se trata apenas de minorias étnicas nas escolas. Aí os professores foram/vão criando grupos e ritmos diferenciados por forma a que o ensino produza aprendizagem para todos. As noções de educação multicultural, intercultural, etc. já não são absolutamente estranhas. São é, por vezes, objecto de muita folclorização e pouca substância (cf. Vieira, 2004). Na sociedade portuguesa parece existir um défice de conhecimentos da diversidade cultural e de diálogo intercultural. Não obstante, Portugal não é, como nunca foi, um país de cultura homogénea. Foi sempre um país em que, durante séculos, se cruzaram e fundiram povos com culturas diferenciadas. Um país mestiço, onde, na complexidade, os componentes mantêm a sua integridade (cf. Laplantine e Nouss, 2002). A questão é que, agora, com a entrada de famílias estrangeiras jovens com altas taxas de fecundidade, a natalidade é maior entre estas e os alunos filhos de estrangeiros vão aumentando nas nossas escolas. Nas nossas e nas dos países europeus envelhecidos demograficamente. Em França, por exemplo, já ninguém acredita nas políticas natalistas para rejuvenescer a estrutura demográfica. Crê-se que esse rejuvenescimento, essencial à manutenção dos descontos para a segurança social, só poderá acontecer com os nascimentos nas famílias de imigrados. Vemos assim crescer o n.º de escolas onde os ditos lusos são a minoria em algumas salas de aula. A maioria é filha de imigrantes. E não só nos arredores de Lisboa. Eis pois uma nova questão para tratar não só do ponto de vista curricular mas, e essencialmente, do ponto de vista do papel do docente. É mesmo para perguntar: ?e agora professor?? Será possível a formação contínua no sentido de que a formação produza mesmo formação? Será possível ajudar os professores a terem outro olhar sobre a diversidade cultural? Será possível ajudar a combater a cegueira cultural? Qual o papel do professor no meio de alunos provenientes dos mais diversos contextos culturais e com as mais díspares histórias de vida que os motivam, constrangem, etc.? Qual o papel do professor no meio, portanto, de toda esta mestiçagem cultural vivida pela pessoa do aluno? Não deverá o professor ser um mediador cultural capaz de ajudar os alunos não só a partirem culturalmente face à dimensão primordial mas também a não abandonarem a cultura de origem? Deverá o professor ajudar a construir o cidadão bilingue, multicultural, dividido mas eficaz em cada uma das esferas em que opera: a do lar e a da escola? Ou, antes, será possível viajar intelectualmente, cognitiva e conscientemente, entre ambas as esferas quando se está em cada uma delas? Será possível construir o terceiro instruído como alguém que, do ponto de vista do ser, não é nem monocultural nem multicultural, nem um híbrido qualquer mas, antes, intercultural à medida de si próprio? (cf. Vieira, 1999). Qual o papel do professor para a construção do sucesso para todos quando todos são inegavelmente diferentes? Homogeneizar? Apagar a memória cultural? Ou, antes, ajudar a construir a ponte entre as culturas atravessadas por cada aluno? Perguntas para reflectir e para ir respondendo, em andamento lento, nesta coluna.
Referências bibliográficas:
LAPLANTINE, F. e NOUSS, A. (2002). A Mestiçagem, Lisboa: Piaget. SOUTA, Luís (1997). Multiculturalidade e Educação, Porto: Profedições. VIEIRA, R. (1999). Ser Igual, Ser Diferente: encruzilhadas da identidade, Porto: Profedições. VIEIRA, R. (2004) (Org.). E Agora Professor? A Transformação na Voz dos Professores, Porto: Profedições.
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