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Visitas de estudo

E se o ministério deixasse as escolas trabalhar?

As dificuldades que os professores  têm tido nos processos de ensino-aprendizagem conduziram a um apreço crescente por estratégias como as visitas de estudo. Disso dá conta o Despacho nº 28/ME/91, com regulamentos de programas de geminação, de intercâmbio escolar e de visitas de estudo ao estrangeiro.
Estas últimas surgiram no âmbito da cidadania europeia, relacionadas com a aprendizagem do Inglês e do Francês, muito praticados nas escolas portuguesas. Muitas escolas têm realizado,  no Carnaval ou na Páscoa, saídas com alunos, a Londres ou a Paris.
É de realçar a importância - para os alunos - do contacto com a realidade, do impacto motivador da saída da escola, do aprofundamento da sociabilidade interpares e entre discentes, docentes e outros, da ligação da teoria à prática, da aliança da escola à vida. A mais-valia de ouvir nativos de uma língua a usá-la com a pronúncia exacta e com o vocabulário actualizado e de conviver com culturas não filtradas dum leque de materiais que adornam os manuais escolares.
É também de lembrar o trabalho que os docentes têm a organizar uma visita de estudo e muito mais se esta for ao estrangeiro - conceber o projecto (objectivos, acordo com os projectos educativo e curricular de escola, adequação a diferentes projectos curriculares de turma, planificação e preparação meticulosas, etc.) ressaltando potencialidades pedagógicas e formativas  em que os alunos estão envolvidos  e que ocorrem:  durante toda a preparação (dossier que serve de guia; aulas de investigação prévia; reuniões com  alunos e encarregados de educação, quase sempre à noite; organização de várias iniciativas para angariação de fundos: rifas, festas, cartas de pedido de subsídios a empresas e autarquias; seguros...);  durante a visita (acompanhamento todo o dia dos alunos em termos pessoais e pedagogicamente; organização de grupos acompanhados por professores com mais de cinco anos de experiência, segundo a lei; verificação das regras estabelecidas e das básicas de comportamento social...); e depois (avaliação, sistematização dos conhecimentos adquiridos; elaboração de cartazes com fotos, filmes; aspectos positivos e negativos...).
Os projectos de intercâmbios no âmbito de geminações a nível europeu têm valor, pois há contacto com o quotidiano das famílias dos alunos de outros países e com as respectivas escolas. E os docentes trocam experiências. Porém nem sempre é possível avançar com estes acordos.
Num ofício-circular de 11-03-2004, a Direcção Regional de Educação do Norte, destaca o valor estratégico das visitas de estudo, ?quer de ensino-aprendizagem, quer de complemento e enriquecimento da acção educativa?. E segue com uma série de orientações de organização das mesmas. Afirma ainda que terão que implicar todos os alunos, sem qualquer discriminação em termos económicos, em conformidade com o já referido Despacho nº 28/ME/ 91. (De acordo. Devem as escolas envidar todos os esforços para não desfavorecerem aqueles que já o são tanto e de forma  tão permanente. Mas todos sabemos também que as escolas não mudam sociedades de um dia para o outro.) Por isso, quando vão ao estrangeiro, as escolas têm ido em período de interrupção, no Carnaval ou na Páscoa: cinco dias em que os docentes, com uma profissão tão desgastante, talvez devessem ficar, como a maior parte dos seus colegas, a descansar. Não vão os alunos todos, por razões várias, económicas também.
Não se defende aqui que uma escola contrate uma agência e vá por aí fora com alunos e professores. Há que haver bom senso: um bom trabalho de angariação de fundos e um total empenho por parte da comunidade educativa, apesar de haver sempre alguns alunos que não vão por dificuldades económicas, faz com que muitos vão - pela única vez na sua vida - a Londres ou a Paris. Porque na escola se trabalhou para conseguir uma viagem por metade do preço.
Há que rever a legislação, ?numa lógica de aprofundamento da autonomia das escolas?, como diz e se compromete a propor superiormente a DREN no dito ofício-circular. Espero que rapidamente. Por que não estabelecer, por exemplo, que deverá haver três orçamentos para uma visita de estudo escolhendo-se o que apresentar melhores condições? Que a comunidade educativa  deverá arranjar 30% dos fundos em subsídios e actividades? Que o orçamento da escola tem cabimento para comparticipar com 10%? Que as turmas podem angariar sem colidirem com as actividades gerais da escola? Legislar correctamente.
E então as escolas farão estas visitas de estudo (que não são passeios...) em tempo lectivo, desde que organizem actividades pedagógicas para os alunos que não vão participar.
Actualmente, no Carnaval só há três dias; ir para o estrangeiro implica partir no sábado e vir na quarta, ou seja, não descansar nem um só dia, pelo contrário; na Páscoa, no presente ano lectivo, não há autonomia para antecipar reuniões de final de período para os finais de dia da última semana de aulas (como se fosse um prazer para os professores trabalharem pela noite dentro...); os docentes teriam que deixar as suas famílias e ir passar a Páscoa ao estrangeiro com os alunos...
 E se o Ministério deixasse as escolas trabalhar?


  
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Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário
Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário

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