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Ensino Superior: Imaginação e realidade

Foi neste quadro que muito recentemente, com grande destaque, se propôs no nosso país a criação de universidades politécnicas como forma de, com apertados critérios de exigência, se criarem espaços para o desenvolvimento de escolas de elevada qualidade.
É claro que cada um tratou imediatamente de olhar para o seu umbigo e verificar se a proposta lhe poderia servir ou não de figurino.

De tempos em tempos surgem propostas que, pelo seu aparente arrojo, pretendem traçar itinerários alternativos para o ensino superior. Pressupõe-se que, deste modo, se poderão ultrapassar consistentemente impasses em que o sistema de há muito se encontra mergulhado. Os cenários traçados primam então, normalmente, por um grande valor utópico e por um significativo avanço de concepções - em contraste com uma realidade bem trivial e carregada de inércia -, ou por uma colagem mais ou menos estereotipada a modelos estrangeiros considerados de referência. Hoje em dia impera, como se sabe, o paradigma anglo-saxónico.
Foi neste quadro que muito recentemente, com grande destaque, se propôs no nosso país a criação de universidades politécnicas como forma de, com apertados critérios de exigência, se criarem espaços para o desenvolvimento de escolas de elevada qualidade.
É claro que cada um tratou imediatamente de olhar para o seu umbigo e verificar se a proposta lhe poderia servir ou não de figurino. Ao mesmo tempo, houve que avaliar se, em alternativa ou concorrentemente, por aqui poderiam surgir novas ameaças às aspirações e aos interesses há muito instituídos. Houve quem fizesse notar que se estava apenas a utilizar uma receita requentada e há muito adoptada, sem grande êxito, no Reino Unido precisamente para resolver conflitos conjunturais; houve também quem abrisse a boca de espanto com a elevação de tanta imaginação e engenho.
Seguiram-se os alinhamentos e as reacções?
Dizem os mais desencantados com estes idealismos periódicos que tudo acabará por ficar na mesma ? como sempre!
Entre a esperança e o pessimismo ? diríamos nós - aguardemos para ver ? Mas a verdade é que está aqui igualmente uma posição bem cómoda mas que não deixa de ser prudente e avisada para quem constata que cada governo e cada grupo procura, antes de mais, deixar um programa e um sinal para uma posteridade que, no fundo, se espera continue tão ávida de ilusões como de rotinas.
Vivemos, por outro lado, um outro sobressalto mais global e pragmático mas que não deixa também de gerar expectativas e ansiedades: referimo-nos ao choque de Bolonha.
Por esta via, domina a esperança no efeito miraculoso da introdução de medidas que nos são impostas do exterior quer pela concorrência americana, quer pelas perspectivas mais avançadas dos nossos parceiros europeus. As palavras de ordem oscilam neste contexto entre a ostentação de um vanguardismo tecnocrático, a exaustiva contabilidade dos financiamentos e a pura e simples resignação. Mas eis que com estes vértices se constrói necessariamente o triângulo com que a Europa sempre tece os seus projectos e os seus programas. Por isso, espantosamente ou talvez não, por exemplo as ciências humanas acataram na prática ? apesar de alguns espirros retóricos ? a compressão curricular daqueles que pareciam ser os incomprimíveis limites temporais de uma reflexividade que pretensamente deveria suportar os processos de aprendizagem?
A partir daqui mais uma vez ficamos à espera!
Funcionamos normalmente por estratégias reactivas e tendencialmente passivas. Entre sobressaltos e conformismos. Não nos damos conta que, entretanto, os burocratas da inércia tudo e todos governam, inclusive os ideais e os governos.
Mas pode ser que entre a imaginação e a realidade, desta vez, os nossos sábios tudo resolvam ?
Afinal, continuamos à espera!


  
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Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto
Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto

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