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A Declaração de Bolonha: Que implicações na formação inicial dos professores?

Assinada em 1999 pelos Ministros da Educação de 29 países europeus, a Declaração de Bolonha tem como principal objectivo a promoção da mobilidade e da empregabilidade no Espaço Europeu, através da adopção de um sistema de formação superior e da atribuição de graus académicos comparáveis. Visa também tornar mais fácil as relações entre os universitários europeus e as universidades de outros continentes e países, nomeadamente os EUA e o Canadá. A adopção desta medida tem, como não podia deixar de ser,  consequências inevitáveis na futura formação dos professores portugueses. O nosso jornal dedicar-lhe-á por isso, nos próximos tempos, uma particular atenção.

A Declaração de Bolonha está a transformar por completo a actual estrutura de formação do ensino superior em Portugal e na Europa. As alterações mais visíveis dizem respeito ao actual modelo de ciclo único, que está a ser substituído por uma organização baseada em três ciclos de formação - correspondentes aos graus de bacharel, mestre e doutor, o último dos quais corresponderá a um curso de especialização - e a inclusão nos planos curriculares de um sistema de créditos denominado ECTS (European Credit Transfer System), que permitirá o reconhecimento comum dos graus e das formações nos cerca de quarenta países signatários. 
O principal objectivo da construção deste espaço europeu de ensino superior é o de garantir uma maior mobilidade dos cidadãos e das suas formações. Ou seja, na teoria será possível a qualquer aluno pedir transferência para uma universidade europeia e prosseguir ali os estudos ou a um trabalhador diplomado conseguir emprego na sua área de formação em qualquer país. Ao mesmo tempo, pretende-se favorecer a implementação de um sistema de avaliação da qualidade da formação e das instituições formadoras à escala europeia.
Numa outra leitura, a Declaração de Bolonha pode também ser entendido como uma forma de as universidades europeias fazerem face à primazia do sistema de ensino superior anglo-saxónico e garantir um lugar no futuro ?mercado mundial de educação?. A intenção de criar ?universidades de excelência? em França ou na Alemanha não é concerteza alheia a esta intenção e assume-se claramente como uma forma de competir com as conceituadas universidades britânicas ou americanas.
À luz destas transformações, como irá ser reconvertida a formação inicial de professores e que implicações acarreta nos perfis, qualificações e estruturas de formação? Num dossier que se irá desdobrar em dois números (Dezembro e Janeiro), a PÁGINA vai recolher a opinião de diversos actores, directa ou indirectamente ligados a este processo.
Nesta edição daremos destaque às conclusões de um parecer a que a PÁGINA teve acesso, de 26 de Outubro, encomendado pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior e coordenado por João Pedro da Ponte, da Universidade de Ciências da Universidade de Lisboa, que dirigiu o Grupo de Coordenadores para a implementação da Declaração de Bolonha na área da formação de professores, que servirá de referência para as orientações nesta área. Iniciamos ainda a publicação de depoimentos com um primeiro de Ricardo Vieira, Ricardo Vieira, da Escola Superior de Educação de Leiria, onde este aborda o futuro pouco auspicioso que poderá estar reservado ao ensino politécnico.

O parecer dado à ministra

O parecer elaborado por João Pedro da Ponte - que contou com a colaboração de Luís Sebastião, da Universidade de Évora, e Miguel Miguéns, do Conselho Nacional de Educação - refere-se desde logo à necessidade de ?reequacionar a estrutura e organização dos cursos de formação de professores? organizando-os em ciclos de formação, com um 1º ciclo de ?banda larga? e um 2º ciclo de especialização.
Neste quadro, propõe-se que o 1º ciclo de estudos superiores ?represente uma primeira etapa de formação, ainda sem especialização, com uma duração tendencial de três anos?, devendo a formação do professor efectuar-se ao nível do 2º ciclo de estudos superiores. Só desta forma, garantem os autores, se poderá ?assegurar uma formação adequada nas diversas facetas de qualificação do professor? e ?o reconhecimento social indispensável ao efectivo exercício da profissão?. 
O documento é, aliás, peremptório em afirmar que ?em nenhum caso o 1º ciclo de estudos superiores forma directamente professores?, assumindo-se apenas como um curso de qualificação de ?técnicos superiores de educação? ou ?numa área específica?, como Matemática, Ciências, Português, Artes Plásticas, Ciências do Desporto, entre outras, dando acesso ao 2º ciclo de estudos.
Deste modo, ?a formação de professores e educadores de infância será (?) em todos os casos um curso correspondente ao 2º ciclo de estudos superiores, com as suas vias preferenciais de acesso?, admitindo-se ?vias alternativas em função dos princípios da mobilidade e flexibilidade de percursos de formação?. Além disso, todos os cursos de formação de professores deverão contar com um conjunto de requisitos de acesso, a satisfazer por todos os candidatos, independentemente do percurso realizado no 1º ciclo de estudos superiores.
O parecer deixa igualmente em aberto a possibilidade de os candidatos à docência terem de passar a submeter-se a uma exame nacional por área de especialidade e a necessidade de ?definição de critérios rigorosos de classificação profissional, a seguir por todas as instituições de formação?, admitindo-se penalizações para as instituições que os desrespeitem. A razão para esta medida, explica-se, prende-se com o facto de "existirem grandes discrepâncias nos valores médios atribuídos pelas instituições de formação" e de às médias de classificações mais elevadas "não corresponder necessariamente maior qualidade de formação".
Tendo em conta a «nova» Lei de Bases da Educação recentemente aprovada na Assembleia da República, mas não promulgada pelo Presidente da República, ?os quatro tipos fundamentais de exercício de funções docentes permaneceriam, mudando apenas a designação do último, que passaria a ser simplesmente ?Professor do ensino secundário?, uma vez que em substituição do 3º ciclo do ensino básico surgiria agora o 1º ciclo do ensino secundário?.

Proposta de estrutura e duração dos ciclos de formação

No quadro de princípios atrás enunciados, o documento propõe que os cursos de educadores de infância e professores do 1º ciclo do Ensino Básico (EB) devam ter ?um 1º ciclo de formação comum, envolvendo estudos nas áreas disciplinares fundamentais correspondentes às definidas nos documentos curriculares para a educação de infância e para o 1º ciclo do EB, formação educacional, formação prática e ainda formação cultural, pessoal, social e ética. Estes estudos constituirão genericamente um major (formação generalista) de formação em educação e disciplinas de base. Para além disso, este ciclo de formação pode contemplar ainda um minor (especialização) numa área específica, preparando desde já a opção a escolher no 2º ciclo de formação?.
?A conclusão deste 1º ciclo de formação qualifica para o exercício de funções de técnico superior de educação. Com esta formação o aluno poderá prosseguir os seus estudos superiores ou ingressar no mercado de trabalho, desempenhando funções em escolas ou outras instituições (incluindo autarquias, organizações e empresas), onde seja requerida uma sensibilidade para o fenómeno educativo mas não necessariamente uma capacidade de planear e conduzir autonomamente actividades educativas (?)?.
?O 2º ciclo de formação superior envolve estudos complementares que permitem então o exercício autónomo de todas as actividades profissionais específicas de um educador de infância ou de um professor do 1º ciclo do EB. Esta formação contempla, também, um aprofundamento de formação nas áreas disciplinares relevantes (por exemplo, Português, Matemática, Ciências, História e Geografia, Educação Física, Expressões, etc.). Este ciclo de formação envolve ainda uma importante vertente prática, integradora de saberes e promotora das competências profissionais, bem como uma iniciação à investigação educacional?.
?(?) os cursos de formação de professores para o 3º ciclo do EB e do Ensino Secundário (ES), tendo uma matriz disciplinar ou pluridisciplinar, permitem uma organização em que o 1º ciclo de estudos superiores corresponde, em termos gerais, à formação na(s) disciplina(s) de especialidade de docência e o 2º ciclo de estudos superiores corresponde, no essencial, à formação de cunho profissionalizante, de índole educacional, prático e de iniciação à investigação educacional. Nestas condições, a saída profissional para os diplomados com o 1º ciclo de estudos superiores é idêntica à dos diplomados pela generalidade dos cursos de letras e ciências?.
?(...) para os professores do 2º ciclo do EB, prevê-se uma diversidade de vias de formação. Uma delas, será a realização de uma formação por uma via idêntica à dos educadores de infância e professores do 1º ciclo do EB, fazendo depois um 2º ciclo de estudos superiores orientado para a docência numa das áreas disciplinares do 2º ciclo do EB. Outra via será a realização de um 1º ciclo de estudos superiores numa área com especial afinidade com uma área disciplinar do 2º ciclo do EB (por exemplo, Educação Física ou Educação Musical), fazendo depois um 2º ciclo de estudos superiores com uma orientação profissional?.
No que diz respeito ao cruzamento das competências e qualificação profissionais com o perfil formativo dos sub-sistemas univesitário e politécnico, o parecer refere que "a formação dos educadores de infância e dos professores dos 1º e 2º ciclos do EB pode ser feita com a qualidade desejável tanto nos estabelecimentos de ensino universitário como politécnico, desde que cumpram as necessárias condições em recursos humanos e materiais, na sua organização e no seu projecto institucional de formação (...)".
Quanto à formação dos professores do 3º ciclo do EB e do ES ela "deve continuar a ser feita, como até aqui, em estabelecimentos de ensino universitário, dada a importância da formação nas áreas de especialidade da docência, que encontra nestes estabelecimentos condições favoráveis de realização".

Texto de Ricardo Jorge Costa
(Baseado em excertos do parecer elaborado sob a coordenação do professor João Pedro da Ponte)


  
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Edição:

N.º 140
Ano 13, Dezembro 2004

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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