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Natal

Quando o amor era mais íntimo; quando nenhum ruído levantava as pálpebras dos que dormiam ? de súbito, despontou, naquela noite, uma estrela de luz ofuscante. Os pastores acordaram sobressaltados, os animais atiraram à beleza da noite mugidos, grunhidos, relinchos de susto. Aos guerreiros, aos arúspices, às sibilas, aos magistrados, às figuras gradas do Império Romano, ao próprio Octávio César Augusto passara despercebido este espanto...
Entretanto, corrido o primeiro susto, começou a chegar aos ouvidos dos pastores hinos embaladores e misteriosos, como o odor de rosa oculta em jardim. Simultaneamente, uma voz, misteriosa também, mas prodigiosa, serena, repleta proclamou: ?Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade?.
E a mesma voz continuou, adornando os ares, enchendo o escuro e o frio: ?Tranquilizai-vos. Trago-vos notícias de grande alegria, que será também para todo o povo. Na cidade de David, nasceu o Salvador , que é Cristo, o Senhor.. E isto vos será por sinal: achareis o menino envolto em panos e deitado numa manjedoura?.
Quando o silêncio voltou a sulcar a noite, um frémito inquietante os tomou. Um velho pastor reflectiu: ?Coisa extraordinária deve ter sucedido, para termos aviso do céu!?. Resoluto, afastando o cortejo de sombras, que se instalara no cérebro daqueles homens rudes, um dos mais jovens propôs: ?Vamos a Belém e vejamos o que se passa!?. E deitaram-se ao caminho, em passos leves.
Estavam prestes a chegar à cidade, quando descortinaram um límpido fulgor a brotar de uma caverna aberta na rocha. Acercaram-se. Penetraram nela. E encontraram este quadro que nada tinha de singular: um homem, uma mulher e, deitado sobre as palhas, um recém-nascido. Todavia, uma floração repentina de respeito e de ternura obrigou-os a ajoelharem-se, adorando a criança e louvando a Deus, ?por tudo o que ouviram e viram, conforme o que lhes tinha sido anunciado?.
Foram os simples, os marginalizados, os explorados os primeiros a descobrir, numa criança, o Deus-Menino. No macio lusco-fusco amanhecente, escrevera-se, na História, a lição definitiva: só os simples são livres para conhecer e amar!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 140
Ano 13, Dezembro 2004

Autoria:

Manuel Sérgio
Universidade Técnica de Lisboa
Manuel Sérgio
Universidade Técnica de Lisboa

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