Entre 2000 e 2003, os 56 Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (CRVCC) existentes em Portugal certificaram cerca de 11 500 pessoas. Todas elas tinham abandonado o ensino antes de concluírem a escolaridade obrigatória, mas realizado um percurso ao longo da vida que lhes permitiu adquirir competências posteriormente avaliadas por um júri. Até 2006 o governo quer criar uma Rede Nacional de 84 centros a serem desenvolvidos por entidades, públicas e privadas, devidamente acreditadas pelo Sistema Nacional de Acreditação de Entidades Promotoras de CRVCC, da responsabilidade da Direcção Geral de Formação Vocacional, através dos quais se pretende dar atendimento a 250 mil adultos e certificar 50 mil. Número que Antonieta Rangel Oliveira, professora de língua portuguesa e francesa, formadora e elemento do júri do CRVCC da Escola Secundária Fontes Pereira de Melo, no Porto - um dos poucos centros que funciona sob a tutela directa do Ministério da Educação -, acredita ser difícil de atingir. Nesta entrevista, Antonieta Rangel explica como funciona o processo de certificação de competências e dá uma ideia das dificuldades de avaliar um percurso que, embora com parâmetros definidos, possui uma carga subjectiva que também não foge à avaliação.
O que são os CRVCC?
Estes centros são uma espécie de ensino de segunda oportunidade, tendo um certo paralelismo com o ensino recorrente, e atribuem certificação de competências ao nível do 1º, 2º e 3º ciclos do Ensino Básico, admitindo-se que possam também vir a reconhecer o 12º ano. A maior parte das pessoas, no entanto, desconhece a sua existência.
Como se processa a validação das competências?
A primeira fase consiste numa avaliação prévia das competências do candidato em cada uma das áreas a avaliar ? linguagem e comunicação; cidadania e empregabilidade; tecnologias da informação e da comunicação e matemática para a vida ?, através da elaboração de um dossier do percurso pessoal e profissional, no final da qual se faz a apreciação global do trabalho efectuado e onde é comunicado se ele reúne ou não as condições para avançar para a segunda fase. Quando se verifica que não há condições para prosseguir, o centro encaminha o candidato para acções de formação específicas ou para outro tipo de respostas que permitam dotá-lo das competências mínimas. No caso de o candidato reunir as condições exigidas prossegue-se a elaboração do dossier pessoal, agora de forma mais intensiva, com o acompanhamento dos técnicos, que vão sugerindo a realização de trabalhos complementares que ajudem a enriquecer o processo, e dos formadores, que passam a desempenhar um papel mais activo. Acima de tudo, a função dos formadores é dar aos candidatos instrumentos para que construam eles próprios o seu dossier onde evidenciem as competências adquiridas ao longo do seu percurso pessoal e profissional.
Qual é o perfil médio dos candidatos?
A maioria dos candidatos situa-se na casa dos 30, 40 anos, em situação de desemprego ou com pretensão de progredir na carreira. Aparecem igualmente pessoas mais jovens que não tiveram oportunidade de concluir a escolaridade obrigatória e pessoas mais velhas cujo objectivo é, essencialmente, a satisfação pessoal de ver reconhecido o seu percurso pessoal e profissional. Uma parte significativa é enviada pelos centros de emprego, porque são pessoas que pretendem adquirir formação e não têm habilitações ao nível do 9º ano para o fazer. Para realizarem acções de formação, no entanto, têm de estar no activo, quando a maioria está desempregada, o que se revela um paradoxo ridículo.
Quais são as principais dificuldades manifestadas ao longo do processo?
Apesar de alguns candidatos não manifestarem muitas dificuldades para enfrentar o processo, a maioria sente, ao princípio, alguma relutância em abordar algumas áreas de competência, principalmente no que diz respeito à matemática e às novas tecnologias. Porém, após um curto período de adaptação e de formação mínima, as dificuldades são habitualmente superadas. Mas ainda assim é difícil, porque os candidatos devem saber lidar com programas como o Excel, o Power Point, o Microsoft Word ou a Internet.
Que tipo de apoios educativos estão previstos?
No processo de validação de competências não estão previstos apoios educativos formais, apenas o apoio dos técnicos e formadores e o encaminhamento para formações complementares, como o Programa SABER +, na área das novas tecnologias. No caso de se tratar de pessoas no activo, está prevista a dispensa parcial do horário de trabalho.
Como é avaliado o processo?
O processo de validação de competências é avaliado por um júri constituído pelos formadores das várias áreas, pela técnica CRVCC e por um avaliador externo, com reconhecida competência cultural e escolar. O dossier final é entregue aos formadores, que o avaliam previamente e preparam a sessão com o candidato. Na sessão de avaliação é apresentado o dossier final que faz a interligação da história de vida pessoal e profissional com as quatro áreas de competências que já referi, evidenciando as competências do formando. A deliberação do júri acaba por constituir uma formalização do processo que já tinha sido acompanhado até aquele momento, onde se faz uma apreciação geral do trabalho desenvolvido e se incentiva a prossecução da formação em áreas do interesse da pessoa em causa.
Muito difícil atingir meta apontada pelo governo
Pelo que julgo saber os referenciais de competências vão sofrer algumas alterações?
Sim, há indicações nesse sentido. Alguns referenciais foram sendo reformulados ao longo do tempo porque eram muito exigentes e não estavam adaptados à realidade, particularmente no que se refere à matemática e às novas tecnologias. Entretanto, fala-se já há algum tempo da possibilidade de introdução de uma língua estrangeira no conjunto dos referenciais de competências, em princípio o Inglês, mas eu considero essa opção perfeitamente irrealista porque dessa forma dificultar-se-ia o processo e diminuiria certamente o número de certificações.
Qual é a percentagem de certificações em relação ao total de candidatos?
Um dos dramas dos CRVCC é que existem metas impostas que estipulam a certificação anual de 300 candidatos por cada 1200 inscritos. Esse é o objectivo, mas penso que é muito difícil atingi-lo.
Existe a intenção de certificar 50 mil candidatos até ao final de 2006. Acha esse objectivo exequível?
Penso que não. Apesar de a maioria dos CRVCC trabalhar a tempo inteiro, outros, como é o exemplo da nossa escola, trabalham a ?meio tempo? ou não têm o mesmo nível de procura, como alguns centros do Alentejo e do interior transmontano. De qualquer forma, mesmo que a oferta estivesse equilibrada em termos geográficos, não me parece que seja possível atingir-se essa meta no prazo estabelecido.
Nos outros países da Europa também existem estes CRVCC?
Sim, têm uma presença bastante forte especialmente em França, nos países nórdicos ou na Holanda. É um modelo com provas dadas em outros países, mas a nossa população tem, de facto, um nível cultural muito baixo e para a maior parte dos candidatos torna-se difícil obter uma certificação.
Como formadora, que principais dificuldades encontra no seu trabalho?
Um dos principais problemas com que nos deparamos é a falta de horários para nos dedicarmos a tempo inteiro a esta tarefa, porque o nosso horário é retirado da carga lectiva e limita a nossa capacidade de intervenção. Nestas condições, é com uma certa dose de ?carolice? que se vai fazendo o trabalho, tornando-se difícil dar resposta em tempo útil a todos aqueles que nos procuram, ainda para mais porque muitos candidatos se vêm pressionados no sentido de conseguir uma validação rápida porque aguardam colocação por parte do centro de emprego. O Ministério da Educação já garantiu que adaptará a legislação, pensada para o funcionamento a nível privado - onde formadores e técnicos trabalham a tempo inteiro -, de forma que os professores do ensino público que participam neste projecto possam dispor das mesmas condições. Depois, na minha opinião, este processo não deveria ser destinado a maiores de 18 anos mas a pessoas mais velhas, já com algum percurso profissional e de vida. Com aquela idade torna-se por vezes difícil avaliar um percurso e certificar competências.
Qual deve ser a principal qualidade do júri que avalia este processo, sabendo que pode ter nas mãos o futuro de alguém?
O júri deve ser maleável, usar do bom senso e ter uma noção muito precisa sobre o candidato que vai avaliar, porque cada pessoa representa uma realidade diferente. É necessariamente diferente avaliar alguém que teve um percurso profissional e de vida homogéneo ou alguém que tem maior riqueza de vida e um percurso profissional diversificado. Não quer dizer que ambos não consigam chegar ao fim com sucesso, mas os níveis de avaliação são diferentes, porque os patamares de partida e de chegada são também eles diferentes.
Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa
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