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Acesso ao ensino superior: Os ricos que paguem o saber...

O acesso ao ensino superior é um símbolo tópico da construção social destes primeiros 30 anos da nossa democracia: o menor desenvolvimento da União Europeia associado ao maior leque salarial e às maiores desigualdades sociais que se conhecem, com muita descredibilizada burocracia, feita para ser manipulada pelas influências. Rara racionalidade orienta a política educativa. Excesso de compromissos inconfessáveis e lóbis.
Há que mudar profundamente muita coisa, e também o acesso ao ensino superior. Recordemos como que era antes ? o caos da inexistência, quando o secundário não tinha nenhuma consequência para o acesso ao superior ? para o que queremos que passe a ser no futuro ? uma porta aberta para quem, vindo de qualquer parte do mundo, queira ter acesso à sociedade do conhecimento, versão euro-lusitana.
Antes da autonomia universitária e da liberdade, cada faculdade organizava livremente o modo de escolha dos seus alunos. Ironicamente, na actualidade, o Estado organiza uma lista nacional de alunos seriados ? segundo a técnica da lista de colocação de professores no ensino não superior ? e distribui-os, sob numerus clausus, pelas escolas que entende. No futuro ninguém sabe o que se apronta, mas o alívio com que as políticas de Ensino Superior (ES) receberam a queda do número de candidaturas, traiu o sentimento de temor do risco de que nos tornemos, a breve trecho, um povo super-instruído e amante obsessivo do ciência, o maiores dos perigos que Portugal enfrenta desde o canto das sereias!
Pelas últimas declaração do ministério, pode mesmo pensar-se que há o plano ? que o Conselho de Reitores já rejeitou, valha-nos isso ? de ressuscitar os bacharelatos, como Salazar fez quando reduziu a instrução à terceira classe ?para todos?. Quer dizer: nos últimos trinta anos conseguiu-se conter a (perigosíssima) ânsia popular de acesso ao ensino superior, através do 12º ano, do putativo problema do acesso ao ensino superior e da abertura ao Ensino Superior privado. Quando a pressão popular abrandou ? uff, finalmente! ? antevêem-se políticas de reforço da elitização do acesso ao conhecimento, por via da desresponsabilização do Estado português sobre a qualificação do ES: os ricos que paguem o saber, dizem-nos.
Peço desculpa por estar a falar em política educativa. Sei que não é politicamente correcto. Mas perdoem-me: eu não sou um especialista? Apenas acho estranho que o processo de Bolonha seja reduzido a uma contabilidade financeira de quantos anos de estudos superiores o Estado admite vir a pagar àqueles que passarem o cabo das tormentas, quando o objectivo alegadamente enunciado é o de organizar políticas europeias de competição global no quadro da sociedade do conhecimento (fundamental e aplicado, profissional, mediático ou internético). O que é que tem a ver?
No futuro, se Portugal se continuar a abrir ao mundo, o Ensino Superior pode/deve acolher candidatos dos PALOP e de outras nacionalidades europeias, ou de qualquer região do globo, que queiram viver a produção de conhecimento que se fizer na pátria de Camões, eventual sede de uma política de pacificação moral ecuménica, tecno-cientifica e multi-cultural, para que podemos preparar-nos, se soubermos colocar as nossas virtudes no mundo. Que enorme contribuição para a Europa e para o mundo lusófono que Portugal inteiro se tornasse um novo Sillicon Valley humanizado! O original também foi implantado no deserto...


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 139
Ano 13, Novembro 2004

Autoria:

António Pedro Dores
Vice-presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior
António Pedro Dores
Vice-presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior

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