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A autonomia das universidades no acesso ao ensino superior

A Proposta de Lei de Bases da Educação (última versão conhecida de 26-5-2003) contém a chave da maior mudança política que se pode introduzir no acesso ao Ensino Superior português: tal como acontece na maior parte dos países mais competitivos na área do Ensino Superior, o acesso tem que deixar de estar totalmente concentrado nas mãos do Estado protector e as suas responsabilidades organizativa e conceptual têm que ser transferidas para as instituições formadoras. O artigo 18º da Proposta de Lei é, a meu ver, fundamental nos seguintes pontos:

3. O processo de avaliação da capacidade para a frequência, bem como o de selecção e seriação dos candidatos ao acesso e ingresso em cada curso e estabelecimento de ensino superior, é, nos termos da lei, da competência dos próprios estabelecimentos, os quais devem associar-se para este feito, de modo a que os estudantes possam concorrer a instituições diferentes.
4. O Governo pode estabelecer restrições quantitativas de carácter global no acesso ao ensino superior (numerus clausus), por motivos de interesse público, de garantia da qualidade do ensino ou em cumprimento de directivas comunitárias ou compromissos internacionais do Estado português, tanto em relação aos estabelecimentos de ensino superior públicos, como aos particulares e cooperativos.
5. O Estado deve criar as condições que garantam aos cidadãos a possibilidade de frequentarem o ensino superior, de forma a impedir os efeitos discriminatórios decorrentes das desigualdades económicas e regionais ou de desvantagens sociais prévias.

Combinando esta estratégia com a também já anunciada medida correctiva de fixação de notas mínimas de acesso ao ensino superior ?compatíveis com as exigências de conhecimento adequadas à sua frequência?, diz-se no programa do Governo actual, o quadro de acesso ao Ensino Superior ganharia um novo rosto, beneficando as instituições universitárias e politécnicas. Tendencialmente, devíamos até projectar a eliminação dos numeri clausi, porque o princípio da autonomia também se deve aplicar ao princípio de boa fé das instituições que são capazes de fazer a sua própria gestão de recursos humanos. A prática universitária pública prova, aliás, que as instituições são capazes hoje de cumprir a exigência de controlo da qualidade das ofertas de formação.
O esforço de contenção do número de vagas anuais é hoje um sinal de maioridade das instituições de Ensino Superior, que são capazes de decidir todos os anos quais as suas prioridades e quais as suas necessidades específicas nas diferentes áreas científicas. Estão ultrapassadas as contingências sociais e políticas que levaram à massificação do ensino superior público e privado na década de 1990, com um desenvolvimento insustentável de cursos e com um total descontrolo da oferta em termos qualitativos e quantitativos. A falência do método de avaliação dos cursos iniciado nessa mesma década pela Fundação das Universidades Portuguesas não ajudou a criar as condições para que o Estado pudesse abdicar da gestão nacional do acesso ao Ensino Superior. Hoje, uma universidade que não seja capaz de gerir adequadamente os seus recursos humanos, ajustando-os à lei da procura, dificilmente tem condições para sobreviver numa sociedade cada vez mais europeísta e competitiva. Hoje, a universidade portuguesa sabe que só o critério da qualidade dos cursos lhe pode valer, por isso existe uma consciência consolidada de gestão racional das vagas de acesso, apesar dos casos pontuais dos que insistem em defender postos de trabalho em desfavor da qualidade dos cursos.
Outras questões práticas previstas no espírito reformista dos tempos que vivemos são igualmente importantes, desde a questão do número de elencos alternativos de provas que não poderá ultrapassar três, salvo em situações de excepção devidamente fundamentadas, até à obrigatoriedade de obtenção de uma classificação mínima de 95 pontos (num total de 200), nas provas de ingresso, ?assegurando que os estudantes que ingressam no ensino superior demonstram um nível mínimo de conhecimentos em disciplinas nucleares para a frequência dos cursos que pretendem realizar? (Decreto-Lei n.º 26/2003). Trata-se de correcções fundamentais a um sistema que acumulou vícios de forma terrivelmente injustos para quem sempre tentou defender a qualidade das ofertas curriculares. Naturalmente que o mecanismo de provas de ingresso tem que ser transferido para as instituições que recebem os estudantes, no sistema previsto de autonomia da selecção dos candidatos.


  
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Edição:

N.º 139
Ano 13, Novembro 2004

Autoria:

Carlos Ceia
Univ. Nova de Lisboa
Carlos Ceia
Univ. Nova de Lisboa

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