Página  >  Edições  >  N.º 139  >  Uma prática que indaga o conhecimento escolar

Uma prática que indaga o conhecimento escolar

AVALIAÇÃO

Como aprendem as crianças?

Muitas são as teorias sobre aprendizagem e desenvolvimento infantil que nos ajudam a olhar para a sala de aula, para nossos alunos, para suas formas de aprender e nossos modos de ensinar. Porém, em muitos casos, parecem se referir a crianças diferentes das que lidamos em nossos cotidianos.

Um discurso amplamente divulgado e aceito que afirma a aprendizagem como processo singularmente vivido pelos estudantes convive com a necessidade de adequar os diferentes ritmos e possibilidades de percurso ao tempo definido pela escolarização. O ensino demarca o limite da flexibilidade para o tempo de aprender, por se vincular a objetivos homogêneos aos quais todos devem alcançar.
Freqüentemente, nas salas de aula, crianças não correspondem aos modelos de aprendizagem e desenvolvimento que conhecemos, sendo percebidas como crianças que não aprendem. Por que são identificadas desse modo? O que as caracteriza? Não aprendem o quê?
O movimento individual, comparado ao modelo pré-definido, produz uma classificação das crianças, postas numa hierarquia de acordo com seus diferentes ritmos. Os alunos cujos processos diferem dos padrões são vistos, porque compreendidos, como aqueles que não aprendem. A prática avaliativa predominante se refere a etapas pré-determinadas às quais todos os alunos devem atingir, mesmos quando se considera o ensino-aprendizagem numa perspectiva processual, em que a variedade de ritmos é prevista.
No cotidiano escolar ouvimos falar de crianças que não acompanham a turma; que não realizam as atividades no tempo esperado; que copiam, mas não lêem; que não escutam, enfim, crianças sempre acompanhadas pela palavra não. Diante desse quadro, como compatibilizar a identificação de crianças que não aprendem com as teorias que nos informam que a aprendizagem ocorre por diferentes caminhos, demandando diversos processos? Seria a não aprendizagem outro modo de expressão da aprendizagem?
A prática classificatória, ao comparar a criança real com a idealizada, não nos ajuda a responder à difícil pergunta que nos acompanha a cada dia: como aprendem as nossas crianças? Que pode ser acompanhada por outra: o que sabem os que são vistos como os que nada sabem?
A avaliação classificatória, embora dominante, não é a única. Defendemos a avaliação como uma prática de investigação, que nos convida a dialogar com o processo pedagógico do qual participamos e com cada um dos sujeitos que compartilham o trabalho realizado na sala de aula com a finalidade de melhor compreender a dinâmica ensino-aprendizagem. Como parte dessa dinâmica, a ação avaliativa se propõe a investigar os diversos percursos realizados, resultados apresentados, obstáculos encontrados, soluções produzidas cotidianamente na sala de aula. Contribui, desse modo, para que a professora conheça melhor seus alunos(as), em especial, aqueles que apresentam trajetos ainda não elaborados nas teorias que sustentam as ações docentes.
Aqui se revela especialmente relevante o modo como o erro é apreendido no processo de avaliação. Se na perspectiva classificatória o erro demarca o não saber, a impossibilidade, a incapacidade, a falta, fazendo da criança que erra a criança que não aprende, na ótica da investigação, o erro sinaliza o movimento que vem sendo realizado pela criança no processo ensino-aprendizagem do qual participa. O erro, assim considerado, indica as aprendizagens já realizadas, os saberes consolidados e, também, novos saberes ainda em elaboração, portanto, espaços potenciais de novas aprendizagens, espaços privilegiados para a intervenção pedagógica.
A avaliação como prática de investigação colabora para potencializar os movimentos de interação e interlocução em que alunos e professoras(res), trocam saberes, compartilham desconhecimentos, dialogam sobre suas experiências, partilham descobertas, criando na sala de aula um clima mais solidário e menos solitário de aprender-ensinar.

Bibliografia:
ALVES, N. & GARCIA, R.L. Os sentidos da escola. Rio de Janeiro, DP&A. 1999.
ESTEBAN, M.T. (org.) Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro, DP&A. 1999.
SAMPAIO, C.S. Avaliar o processo de aquisição da escrita: desafios para uma professora pesquisadora. In: ESTEBAN, M.T. (org) Escola, Currículo e avaliação. São Paulo, Cortez, 2003.

  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 139
Ano 13, Novembro 2004

Autoria:

Carmen Sanches Sampaio

Maria Teresa Esteban
Professora da Fac. de Educação da Univ. Federal Fluminense, Brasil. Pesquisadora do grupo Alfabetização dos Alunos das Classes Populares.
Carmen Sanches Sampaio

Maria Teresa Esteban
Professora da Fac. de Educação da Univ. Federal Fluminense, Brasil. Pesquisadora do grupo Alfabetização dos Alunos das Classes Populares.

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo