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Educação e identidade

A folclorização da Nazaré irá servir, sobretudo a partir dos anos sessenta,  para a construção de uma identidade cultural, não tanto por parte dos pescadores, mas, sobretudo, por parte de uma classe média local, que, não vivendo directamente do mar, se apropria de uma identidade  e se afirma herdeira de uma cultura piscatória.

O Estado Novo promoveu a construção de uma identidade nacional, assente, por um lado, nos tipos regionais, onde o pescador da Nazaré, a par da  noiva do Minho ou do campino do Ribatejo, entre outros, representa pedaços sui generis do mosaico nacional; e por outro, num passado longínquo, de uma herança lusitana, ou nas descobertas enquanto cimento unificador. Servindo de contraponto ao país aldeia, a Nazaré ocupará um lugar de relevo na propaganda nacional, representando o elo com o passado glorioso das descobertas: aqui estavam presentes, como fósseis vivos, os homens que tinham dado novos mundos ao mundo.
Esta mitificação e folclorização da Nazaré irá servir, sobretudo a partir dos anos sessenta,  para a construção de uma identidade cultural, não tanto por parte dos pescadores, mas, sobretudo, por parte de uma classe média local, que, não vivendo directamente do mar, se apropria de uma identidade  e se afirma herdeira de uma cultura piscatória.
Enquanto a classe média manipula estrategicamente uma suposta identidade local, que lhe permite afirmar uma diferença cultural perante o outro; os descendentes da classe piscatória aprendem, por meio de uma escolaridade mais prolongada, que lhes permite um contacto mais próximo com a  classe média local, e  lhes alimenta  expectativas de ascensão social pelo abandono da pesca, em troca de  novas ocupações ligadas ao turismo, uma  nova identidade que lhes permite viajar entre a tradição e a modernidade, numa manipulação estratégica de identidades múltiplas ou sincréticas. Os filhos dos pescadores, apanhados pela democratização do ensino, com o alargamento do secundário a partir dos anos setenta, e que têm hoje entre trinta e quarenta anos, juntam-se aos filhos da classe média local em momentos rituais da vida da comunidade para pensarem e viverem em conjunto a afirmação de uma herança comum.
Fazendo percursos inversos, os dois grupos sociais, quais Terceiros Instruídos,  negoceiam uma identidade etnocultural, num combate simbólico pela construção da imagem do pescador da Nazaré. 
O bilinguismo cultural usado como recurso social, tal como é feito por essa nova classe média oriunda do meio piscatório, só se tornou possível porque esta geração teve acesso a uma escolaridade mais prolongada. A escola forneceu-lhes o código linguístico, corporal, as competências e os saberes universais que lhes permitem aproveitar as oportunidades criadas pela indústria turística e ocupar os novos postos de trabalho que a modernidade trouxe à Nazaré.


  
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Edição:

N.º 139
Ano 13, Novembro 2004

Autoria:

José Trindade
ESE Leiria
José Trindade
ESE Leiria

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