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O «Estado-vassoura» dos excluídos

Há que reconhecer, o desenvolvimento da humanidade, principalmente neste último século, ficou a dever muito à expansão da escola pública, e a sua crise actual, não deve servir para negar a validade dos seus princípios e do ideal de educação que lhes estão subjacentes, nem justifica o recurso ao modelo do mercado como alternativa para a regulação e provisão do serviço público educativo.

Ao longo dos últimos textos publicados nesta minha colaboração regular com A Página da Educação tenho vindo a comentar diferentes episódios da governação da educação em Portugal como sintomas mais gerais de um processo sistemático e deliberado de depreciação da ?escola pública?, dos seus princípios e valores. Disse-o em Outubro de 2003, a propósito da ?Escola da Ponte?, em Fevereiro de 2004, a propósito das expectativas negativas sobre a política educativa para este ano, e em Junho de 2004 sobre os ?erros do concurso de professores?.
Entre os princípios que informam a ideia de um serviço público de educação quero destacar: a universalidade do acesso, a igualdade de oportunidades e a continuidade dos percursos escolares. Estes princípios obrigam a que escola seja sábia para educar (permitindo a emancipação pelo saber), recta para integrar as crianças e os jovens na vida social (através da partilha de uma cultura comum) e justa (participando na função social de distribuição de competências).
É certo que, em muitos casos, estes princípios não tiveram correspondência nas políticas, nas formas de organização, no currículo e nos métodos pedagógicos, em que assenta a escola de massas, ao longo da sua evolução histórica e no seu processo de expansão à escala planetária. Contudo, há que reconhecer, o desenvolvimento da humanidade, principalmente neste último século, ficou a dever muito à expansão da escola pública, e a sua crise actual, não deve servir para negar a validade dos seus princípios e do ideal de educação que lhes estão subjacentes, nem justifica o recurso ao modelo do mercado como alternativa para a regulação e provisão do serviço público educativo.
Por um lado, falta ao mercado (entre outras coisas) a sensibilidade social que permita atender aos que, pelas mais diversas razões, exigem mais tempo, mais dinheiro, e melhores recursos para obterem o sucesso educativo a que têm direito. Por outro lado, o Estado social não pode estar limitado (como querem os defensores de políticas neo-liberais neste domínio) a cumprir as funções de ?carro-vassoura? dos excluídos que o mercado enjeita (por questões de rentabilidade e eficácia). E aqui, o recurso à metáfora do ?carro-vassoura? justifica-se plenamente se nos recordarmos que esta designação é dada, nas corridas de ciclismo, ao carro que vai na cauda do pelotão para recolher os ciclistas que são obrigados a desistir, por não conseguirem acompanhar o andamento dos outros corredores.
Defendo por isso que, no contexto actual da crise do Estado Providência (e do modelo social a que deu origem), se torna necessário reforçar a dimensão pública da escola pública, o que obriga a reafirmar os seus valores fundadores, perante a difusão transnacional de uma vulgata neo-liberal que vê no serviço público a origem de todos os males da educação e na sua privatização a única alternativa.
Mas defendo, igualmente, que a falência actual do modelo burocrático-profissional que serviu de base à expansão da escola pública no passado, obriga a procurar novas formas organizativas (pedagógicas e educativas) e novas modalidades de governo e de intervenção que permitam a recriação da escola como espaço público de decisão colectiva, baseada numa nova concepção de cidadania que, como diz Whitty, ?vise criar a unidade sem negar a diversidade?.
É este o grande desafio que se coloca a todos os que continuam a acreditar na necessidade de provermos colectivamente um serviço público que garanta o pleno direito à educação e o acesso a uma cultura comum, para todas crianças e jovens, em condições de equidade, de igualdade de oportunidades e de justiça social.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 139
Ano 13, Novembro 2004

Autoria:

João Barroso
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação da Univ. de Lisboa
João Barroso
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação da Univ. de Lisboa

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