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Em favor de mais autonomia das escolas

COLOCAÇÃO DE PROFESSORES

Mesmo quando os concursos e colocações geram pouca contestação, a verdade é que os processos politicamente adoptados para gerir o dossier professores ? formação, concursos, colocação e exercício profissional ? arrastam factores com impacto negativo na consolidação de culturas de escola promotoras da qualidade das aprendizagens dos alunos que é urgente atenuar e resolver.

Todos os anos, por uma razão ou por outra, o concurso e a colocação de professores, deixam amargos de boca aos mais directamente interessados - professores, escolas, pais  - e ao público em geral.  Este ano foram os atrasos nas colocações. Mesmo quando os concursos e colocações geram pouca contestação, a verdade é que os processos politicamente adoptados para gerir o dossier professores ? formação, concursos, colocação e exercício profissional ? arrastam factores com impacto negativo na consolidação de culturas de escola promotoras da qualidade das aprendizagens dos alunos que é urgente atenuar e resolver. É necessário aproveitar o impacto da Declaração de Bolonha para repensar a formação de professores e retomar processos para a sua certificação bem como do desempenho docente. No que se refere às colocações, eliminar a dança geográfica dos professores e as consequentes incertezas e descontinuidades na sua acção, com efeitos na qualidade do seu comprometimento nos projectos educativos da escola e numa efectiva profissionalidade docente, para não falar da angústia pessoal pelo afastamento do seu espaço afectivo e familiar.
É neste cenário de constrangimentos, com evidentes impactos na qualidade da educação, que a comunicação social agita a opinião pública com os rankings das escolas, abrindo portas para comparações indevidas. Um ranking pressupõe que aquilo que pretende comparar seja, de facto, comparável. Pressupõe que estão asseguradas, a todas escolas as condições contextualizadas para que cada uma possa cumprir os padrões de qualidade que delas são esperados. Mas não é assim. A publicação de rankings baseados nos resultados escolares dos alunos é uma medida perversa. Mais do que os resultados médios dos alunos ordenados por escolas, a opinião pública retém representações diferenciadas da qualidade das escolas em função dos resultados escolares. Não é de esperar que uma leitura de senso comum tenha em conta variáveis quantitativas e qualitativas que colocam muitas escolas longe de lugares cimeiros de sucesso. A frieza dos rankings não lhas revela. Tal como são divulgados fragilizam ainda mais ? aos olhos da opinião pública - as escolas pior colocadas e os respectivos professores já de si fragilizadas por factores de contexto ? geográficos, económicos, sociais e culturais -  e pela falta de apoios supletivos que atenuem desvantagens de partida.  Os rankings que nos são dados a conhecer, deveriam constituir uma etapa ? não publicável - de um processo sistemático e comprometido visando identificar as causas dos diferentes resultados das escolas e tomar as decisões necessárias para promover a qualidade das mais desfavorecidas. Só com este tratamento, a hierarquização dos resultados (qualidade?) das escolas deveria, se conveniente e vantajoso, ser publicável.
A disponibilidade de um corpo docente estável, empenhado nos projectos educativos e numa cultura de escola de qualidade, para além do horizonte de um ano lectivo, é seguramente um factor determinante da qualidade das escolas. E é espantoso que num país com milhares de professores desempregados, muitas escolas não os tenham atempadamente e com continuidade. A questão da colocação dos professores, como é feita, não se esgota, em cada ano, depois de realizada. Deixa nas escolas um clima de instabilidade, para todo o ano lectivo, com forte impacto na qualidade do trabalho. Muitos professores sabem que todos os anos têm de sujeitar-se à dança de escolas ou à forte possibilidade ou certeza do desemprego. Não há cultura de escola orientada para a qualidade que se consolide e resista a este clima. 
A questão que, finalmente, ocorre colocar é se a autonomia das escolas não pode abranger a liberdade para recrutarem os professores de que precisam em função das suas necessidades, dos seus projectos, dos contextos ? cultural, geográfico, económico, social - em que se inserem e, sobretudo, dos padrões de qualidades que visam atingir. Para mim, não são precisas mais evidências para concluir que sim. Ao poder central caberia estabelecer e verificar o cumprimento de critérios essenciais ? responsabilidade, igualdade, qualidade, justiça - e uma função supletiva para situações em que não fosse possível à escola colmatar as suas necessidades docentes a nível local ou regional.


  
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Edição:

N.º 139
Ano 13, Novembro 2004

Autoria:

Carlos Cardoso
ESE de Lisboa
Carlos Cardoso
ESE de Lisboa

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