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?Tapados Pelo Nacionalismo?

Gostaria de discutir algumas das coisas que ficam ?tapadas? quando olhamos para as competições, campeonatos, etc., e considerar até que ponto caímos no mesmo conjunto de problemas quando passamos do desporto Olímpico e dos campeonatos de futebol para aquilo que pode ser designado, sem grande razão para rir, como as ?Olimpíadas Educacionais?

O ano de 2004 tem sido um ano marcante no campo das competições desportivas internacionais, e mais marcante ainda para dois dos mais pobres países europeus ? Portugal e a Grécia ? do que para outros países. Uma equipa portuguesa ganhou a Taça dos Campeões Europeus em futebol, e o país organizou o Campeonato Europeu de futebol. A Grécia, para grande surpresa de quase toda a gente, ganhou o campeonato, e para surpresa quase do mesmo nível, dadas as profecias de fracasso, organizou uns Jogos Olímpicos espantosos. Ambos os países ressurgiram com o orgulho nacional não só intacto, como também aumentado.
Mas estes mesmos sucessos também nos devem fazer parar para considerar o que é que de facto se passou com aquelas competições. Trata-se de uma questão acerca de como somos tipicamente ?tapados? - da mesma forma que os guarda-redes o são quando um remate surge por detrás de um conjunto de jogadores que se encontra frente a eles. Por outras palavras, tendemos a não reconhecer a natureza e o que a competição envolve no nosso entusiasmo de ver a ?nossa? equipa ganhar, ou, se se estivermos menos envolvido, a ver uma excitante e alegre compita.
Gostaria de discutir algumas das coisas que ficam ?tapadas? quando olhamos para as competições, campeonatos, etc., e considerar até que ponto caímos no mesmo conjunto de problemas quando passamos do desporto Olímpico e dos campeonatos de futebol para aquilo que pode ser designado, sem grande razão para rir, como as ?Olimpíadas Educacionais? e os campeonatos que constituem o elemento cada vez mais presente e relevante afectando a direcção e os produtos, públicos, privados e individuais da educação.
Há aqui pelo menos três coisas a destacar: a centração na posição que se ocupa na tabela e como é que essa posição poderá ser melhorada; a natureza dos interesses envolvidos; e a natureza da entidade competitiva.
A primeira encoraja um foco no sucesso relativo e não absoluto do nível de sucesso. Para continuar com a analogia do futebol, uma equipa pode ganhar mais jogos numa temporada do que na anterior e acabar numa posição baixa na tabela classificativa. O padrão do campeonato no seu todo pode ter sido melhorado, e mesmo o de cada uma das equipas envolvidas, mas isso torna-se irrelevante para a classificação final. Uma equipa pode ter sucesso a nível nacional e ser um fracasso em termos internacionais.
Segunda, os interesses podem não ficar confinados à posição final na tabela como um fim em si mesmo, que é como tendem a ser percebidos. Não é a ?honra? da equipa, ou do país, apenas que está em causa, mas também a sua viabilidade comercial (mesmo o seu valor no mercado bolsista), ou a das marcas dos seus patrocinadores ou a dos seus concidadãos.
E terceira, enquanto a entidade competitiva é tipicamente apresentada como a ?nação? ou o ?clube? dentro da nação, não se torna necessário olhar para além das discussões acerca da ?elegibilidade? e das manobras ilícitas, por um lado, e do reconhecimento nacional das prestações dos clubes de futebol que possam conter alguns, ou mesmo nenhum, jogadores nascidos no país, para ver como é que esse tipo de assunções são frequentemente muito frágeis.
Espero que a questão levantada pela ampliação desta analogia para pensar acerca da educação seja clara ? isto é, que é necessário fazer o mesmo tipo de perguntas acerca das tabelas classificativas no âmbito da educação, como aquelas que fazemos acerca das do futebol ? dado que o que aqui parece estar é muito mais importante. Temos de reconhecer a cumplicidade de muita ciência social nestas questões; a tradição do ?nacionalismo metodológico?, a ideia de que o estado-nação é o nível apropriado de análise das sociedades, permanece muito forte mesmo quando se reconhece a importância da globalização ? de facto, trata-se mesmo de um indicador de como tão pouco seriamente está a ser tomada a globalização.
Temos um espantoso exemplo de uma tabela classificativa no campo da educação que exemplifica todas as questões que acima levantei, na forma dos exercícios da OCDE e PISA. Estes conduziram, em alguns lugares ? particularmente na Alemanha ? a amplas demonstrações de preocupação pública, e a importantes transformações na política educativa. O foco da preocupação centra-se na posição relativa na tabela classificativa e na resposta acerca da forma como se poderá melhorar essa posição. O ponto a enfatizar aqui é que ao confinar a resposta à procura de uma melhoria na posição na tabela implica quer aceitar a base da competição, quer o abandono das bases existentes para avaliar o sucesso e o valor do sistema educativo. E, é claro, não é este o caso apenas para aqueles que são relativamente mal sucedidos; aplica-se igualmente aos bem sucedidos, que são pressionados no sentido de manter e de melhorar a sua posição. Tudo isto acaba por nos ?tapar? aquilo que um novo conjunto de regras e bases do sucesso educativo pôs em movimento; no caso do PISA, tal parece envolver uma mudança do conteúdo das competências como base para a avaliação dos produtos das experiências educacionais. Estas já não se confinam ao nível nacional, estendendo-se, antes, a níveis supranacionais aos quais as técnicas do tipo PISA são desenvolvidas.
A introdução de indicadores do desempenho dos sistemas educativos desenvolvidos e destinados ao nível supranacional, portanto, é mais do que um mero transplante de uma técnica bastante testada. Isto muda, mais do que reflecte, o mundo que pretende medir; a assunção de que se trata apenas de uma outra forma de competição internacional que ?nos? dá a oportunidade de ver com que nível de sucesso o ?nosso? sistema assume quando comparado a outros, esconde as mudanças do ?nós?, a natureza e os interesses envolvidos na competição, aquilo que exclui, e a oposição que acaba por construir. As assunções que circulam acerca da natureza das tabelas classificativas e dos níveis aos quais os sistemas educativos são formados e dirigidos ameaçam deixar-nos ?tapados? acerca do que está ?realmente? a acontecer ? seja isso um perigo ou uma promessa ? até que, como o guarda-redes que ficou tapado, seja demasiado tarde para podermos responder.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 139
Ano 13, Novembro 2004

Autoria:

Roger Dale
Univ. de Bristol, Grã-Bretanha
Roger Dale
Univ. de Bristol, Grã-Bretanha

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