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Que educação - Quando o exemplo é desprezível

Está por publicar (...) o livro das bombas, dos abusos de poder, do subtil afastamento de pessoas, da punição a uma professora por ter comemorado o 25 de Abril no pátio da escola (...).

Está tudo dito sobre o partido e a personagem que governa a Região Autónoma da Madeira: desde a ausência de planeamento sustentável de gravosas consequências futuras, ao  repugnante e truculento terrorismo verbal diariamente empregue, até aos tentaculares interesses que a varrem de lés a lés. Tudo o que se escreva equivale a inconsequente repetição. Apenas, sustento eu, está por publicar o livro destes trinta anos autocráticos, o livro que deixe para a História a caracterização de um partido tendencialmente fascista e de um homem que, sequioso de poder, comprou títulos, pagou páginas e viu fantasmas na comunicação social independente. O livro que reúna a infinidade de enxovalhos aos Órgãos de Soberania, instituições e adversários políticos, consubstanciados em descabeladas expressões do tipo ?tontos?, ?bêbedos?, ?porcos?, ?burros?, ?cabras?, ?traidores? ou, então, a ?Assembleia da República que se f...?. O livro que narre as ofensas a um primeiro-ministro classificado de ?caloteiro?, ?fariseu?, ?indivíduo perigoso? e ?aldrabão?. O livro que estude a prática persecutória, a lei da rolha, a cultura do medo, a autocensura e o obscurantismo cultural. O livro que equacione a política de cimentização da paisagem e de cristalização da população jovem e adulta; o livro que desça ao ?bas-fond? e que correlacione o sistema com alegados compadrios e riquezas mal explicadas. O livro da ditadura legitimada pelo voto que esclareça como foi possível tomar de assalto a Escola, a sociedade civil e instalar a perversão democrática. O livro das bombas, dos abusos de poder, do subtil afastamento de pessoas, da punição a uma professora por ter comemorado o 25 de Abril no pátio da escola. O livro dos subsídios para manter a obediência e o silêncio, o livro das obras a mais, o livro que mergulhe na Fundação, nas expropriações e que narre a governamentalização da Assembleia. Seria interessante publicá-lo.
Preocupa-me o futuro da Madeira. O meu receio é que, perante tanta indiferença e apatia face ao controlo absoluto, razão tenha Eric Hoffer, citado por Laurence Peter (1989): ?(...) saboreamos o poder não quando movemos montanhas ou mudamos o curso dos rios, mas quando podemos transformar homens em objectos, robots, fantoches, autómatos ou verdadeiros animais?. Na esteira deste posicionamento, embora outro seja o contexto, aproximo as palavras de Almada Negreiros no Manifesto Anti-Dantas, digo eu, a propósito, Anti-Jardim: ?(...) Uma geração que consente deixar-se representar por um Dantas é uma geração que nunca o foi. É um coio d?indigentes, d?indignos e de cegos! É uma rêsma de charlatães e de vendidos e só pode parir abaixo de zero. (...) Uma geração com um Dantas à prôa é uma canoa em seco. (...) E o Dantas teve claque! E o Dantas teve palmas! E o Dantas agradeceu!?.
É por tudo isto que se torna imperiosa a revolta. Como escutei, no Santuário do Monte, em 1999, pela boca de Sua Excelência Reverendíssima o Bispo do Funchal, devemos ?ser cooperadores com os homens mas, perante a maldade e a tirania, rebelar-se e resistir?. Enquanto é tempo, sublinho. Porque o que vem a caminho é bem pior. A última revisão constitucional, só possível com uma oposição política benevolente, nalguns casos cúmplice, incapaz de fazer a síntese do processo político regional dos últimos trinta anos, escancarou as portas à competência legislativa no âmbito das matérias ditas de interesse específico, elencadas no Artigo 40º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira. A Educação em sentido genérico e o desporto, em particular, lá estão. Tratou-se da machadada final. Doravante, nada escapará ao controlo do partido maioritário na lógica de um país dois sistemas. E sendo assim, que esperar do futuro de uma juventude formada na castração do pensamento, na Escola cúmplice do sistema e na esteira dos exemplos de má educação de quem governa?
Curiosamente, ou talvez não, ao mesmo tempo que digito, acompanha-me e deixo-me embalar na palavra e no som de Chico Buarque (in Meu Caro Amigo) que convosco partilho: ?(...) aqui na terra tão jogando futebol/tem muito samba, muito choro e rock?n?roll/Uns dias chove, noutros dias bate sol/mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta (...)?.
Porque, como li algures, ?ter medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo?, continuarei, fiel a princípios e valores, a meter o pauzinho nesta monumental engrenagem, pelo amor que tenho a este pedaço do meu País e à profissão que abracei.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 139
Ano 13, Novembro 2004

Autoria:

André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal
André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal

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