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Uma aposta na redução da qualificação científica e cultural dos nossos jovens

REFORMA DO ENSINO SECUNDÁRIO

Os últimos meses ficarão para a história como exemplos maiores de leviandade e de irresponsabilidade, no que às políticas educativas diz respeito.  Milhares de professores excluidos dos concursos. Agrupamentos ilegais. Destacamentos irregulares. Aprovação de uma Lei de Bases exclusivamente pela maioria e agora vetada pelo Sr. Presidente da República.
Mas hoje pretendia reflectir convosco sobre a decisão do governo de publicar em fins de Março um decreto-lei que tem como objectivo reformar o ensino secundário, exactamente dois meses antes de a maioria aprovar uma nova LBE, que consagra um outro ensino secundário com outros objectivos.
Trapalhada. Ausência de respeito pelas famílias, pelos jovens e pelos professores. A reforma iniciou-se ilegalmente em Setembro de 2003. Os alunos do 10º ano foram sujeitos à maior trapalhada de que há memória no sistema educativo.
O Governo obrigou as escolas a leccionarem o 10º Ano de acordo com o figurino curricular em vigor e, simultaneamente, com os programas, de uma reforma ilegal que só o Ministério da Educação conhecia e que publicou, contrariando a Lei de Bases que posteriormente aprovou. Estas decisões autoritárias, estão a ocasionar enormes problemas às escolas e aos alunos.
Um só exemplo tornará explícita a desorientação que reina no Ministério da Educação.
Um aluno do 10º ano que está oficialmente inscrito nas disciplinas de Ciências da Terra e da Vida e em Técnicas Laboratoriais de Biologia não deu estes programas mas sim um outro, de Biologia.
No entanto, chegada a avaliação, o professor terá que descobrir duas notas para duas disciplinas, cujas matérias não foram leccionadas, porque de facto o programa que foi dado não tem desenho curricular que o sustente.
E porquê? Porque o Governo resolveu suspender a reforma curricular do partido socialista, sem tomar as imprescindíveis medidas que uma decisão desta natureza exigia.
Como os livros estavam a ser produzidos e as editoras cansadas de alterar programas, alargá-los e condensá-los, mudar nomes a disciplinas, o governo resolveu avançar com os programas e os livros e depois logo se veria. Esta foi a única razão.
Mas se este é o início de vida de uma reforma clandestina, tudo piora quando a reforma passa a ter existência legal.
Quando da discussão da revisão do ensino secundário em Fevereiro de 2001, proposta pelo PS, o PSD afirmava que uma alteração desta natureza implicaria que o Governo ?tivesse procedido a uma avaliação séria da última reforma curricular e, em função dos seus resultados, introduzisse no regime legal apenas e só as medidas estritamente necessárias??. Ora o que fez o governo do PSD-CDS/PP? Exactamente o mesmo de que acusou o PS. E as alterações que introduziu na reforma foram, exclusivamente, para agravar o que de mais negativo possuía o texto anterior.
O governo de coligação evidenciou uma confrangedora incompetência para aprender com os erros.
Dizia o PSD em 2001.
?A matemática e as ciências deveriam ser alvo de atenção acrescida?. E o que fez o governo? Empobreceu a qualificação dos jovens. Passa a ser possível chegar ao Ensino Superior de Arquitectura sem uma disciplina estruturante como a Geometria Descritiva. Ao ensino Superior de Engenharia sem um disciplina fundamental como a Física. Ao Ensino Superior de Medicina sem uma disciplina indispensável como a Química.
É possível também que os alunos tenham acesso aos cursos Superiores de Ciências Sócio-económicas, sem nunca frequentarem a disciplina de Economia ou aos de Línguas e Literaturas, sem nunca frequentarem a disciplina de Literatura Portuguesa.
Dizia o PSD em 2001:
?Todo o modelo de formação inicial e contínuo de professores deverá ser revisto previamente ao desenvolvimento de reformas dos currículos e dos programas, (?) sob pena de se pretender aplicar medidas (?) perdendo-se tempo e dinheiro e transformando-se os estudantes em simples cobaias?. E o que fez o governo de coligação?  Não fez a formação inicial e contínua dos professores. Impôs programas aos alunos que contrariam o desenho curricular em vigor. Não atribuíu as horas necessárias às escolas para leccionarem os programas ?clandestinos?. Transformou as escolas, os professores e os alunos em cobaias da sua incompetência.
Dizia o PSD em 2001:
?Devem surgir novas disciplinas que curricularmente abordem de forma clara, sem complexos, com recursos humanos formados atempada e especialmente para o efeito, matérias como a educação sexual, a formação ambiental?? E o que fez agora o governo? Não há novas disciplinas que abordem a educação sexual porque o CDS e a sua Secretária de Estado não deixam.
Dizia também o PSD em 2001:
?Recusamos todo e qualquer tipo de avaliação que responsabilize exclusivamente os alunos pelo insucesso educativo?. E o que fez o Governo de coligação? Aprovou o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano e, ao mesmo tempo, consagra em portaria as prescrições na escolaridade obrigatória, num claro fomento do abandono e insucesso escolares.
São graves e justas as críticas do Conselho Nacional de Educação que afirma no seu parecer ?que a qualidade do ensino e das aprendizagens não depende apenas de alterações curriculares e ainda menos de modificações dos planos de estudos?  E acrescenta: ?Quando se esperava a fundamentação de uma ?reforma do ensino secundário?, restam-nos três textos soltos.? E alerta ainda para a ?profusão semântica pouco rigorosa?, para ?designações carregadas de equívocos?, para a ausência ?de precisões conceptuais? ou para a falta ?de clareza?.
É um documento exaustivo, que o Governo ignorou. Diz ainda o Conselho Nacional de Educação que com a proposta do Ministério da Educação ?haverá um empobrecimento de formação científica e cultural dos jovens?. ?A escolha do conjunto de cursos gerais (5) e tecnológicos (10) carece de qualquer fundamentação. Porquê estes e não outros??. ?Porque é que se (?) eliminam cursos tecnológicos em vigor (e com procura).? ?Não se percebe também como é que estas opções se inscrevem no referido ?modelo de desenvolvimento do país?.
E acerca do desaparecimento do Curso Tecnológico de Mecânica diz o Conselho: ?importa lembrar que a área da Mecânica tem fortes tradições no nosso ensino tecnológico e que existe um conjunto de sessenta escolas secundárias com competências para oferecer formação de qualidade nesta área. (?) não parece aconselhável desperdiçar estes recursos, e, por isso, o Conselho Nacional de Educação recomenda maior ponderação e uma revisão desta medida inexplicada de supressão do Curso Tecnológico de Mecânica?.
Portugal é, entre os países da União Europeia, aquele com mais baixo índice de escolarização da sua população com o nível secundário do ensino e de formação. Ora a reforma aprovada por este governo é um texto que aposta na redução da qualificação científica e cultural dos nossos jovens, que abre a porta à discriminação social e cultural, indiciando que há cursos de 1ª e 2ª qualidade e consequentemente barreiras ao prosseguimento de estudos.
Por tudo isto o PCP propôs a cessação de vigência deste diploma que a maioria rejeitou.


  
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Edição:

N.º 137
Ano 13, Agosto/Setembro 2004

Autoria:

Luísa Mesquita
Deputada do Grupo Parlamentar do PCP
Luísa Mesquita
Deputada do Grupo Parlamentar do PCP

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