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A corrida às armas

Mais de meio milhão de cientistas e tecnólogos estão actualmente envolvidos em investigação e desenvolvimento (I&D) militar. Cerca de 30% das despesas mundiais em I&D são destinadas a fins militares, o que é cinco vezes superior ao que é destinado a I&D em ciências da saúde e dez vezes superior ao que é destinado a I&D em agronomia. Esses recursos são públicos, generosamente atribuídos pelos governos a empresas privadas do complexo militar-industrial, longe da mera percepção da opinião pública. Pelo contrário, a larga maioria da I&D universitária passa laboriosos filtros de avaliação, sujeita a auditoria e a responsabilização (?accountability?).

As despesas em investigação científica e desenvolvimento tecnológico com fins militares declinou na década de 1990 em ambos os lados do Atlântico Norte, reflectindo o fim da ?guerra-fria? e a recessão económica mundial. De 1991 a 2000, a parte da despesa governamental em I&D afectada a fins militares decresceu de 21 para 15% na UE, enquanto nos EUA decresceu de 60 para 52%. Todavia, em termos absolutos, o volume da despesa nos EUA manteve-se 5 vezes superior ao da EU.
Reflectindo, porém, a nova versão estratégica de domínio militar assumida sob a designação de ?guerra ao terrorismo? e apoiada no conceito de ?guerra preventiva?, a referida tendência foi invertida desde 2002 e, segundo o ?plano de defesa? aprovado em 2003 no Congresso norte-americano, o orçamento respectivo será incrementado no período 2004-9, tendo em vista a renovação de presentes sistemas e o desenvolvimento de novos conceitos ?futuristas?. Análoga inversão da tendência do passado recente observa-se na União Europeia, que caminha para a criação de estruturas e a adopção de políticas de ?defesa? e de ?segurança? mais musculadas e para actuação além das suas fronteiras. Subjacente, estão os interesses do complexo militar-industrial. Actualmente, quatro estados membros só por si asseguram 97% da despesa em I&D militar na UE: Reino Unido, França, Alemanha e Espanha, por ordem decrescente; no Reino Unido e na Espanha, a parte da despesa governamental em I&D que é destinada a fins militares é superior a 30%!
Após o esforço colocado pelas grandes potências, nas décadas de 40 a 60, no desenvolvimento de explosivos cada vez mais poderosos (bombas A e H), a evolução posterior deu-se no sentido de seja incrementar a precisão quanto aos alvos seja diversificar e especializar os tipos de alvos e de acções destrutivas.
O frequentemente invocado progresso tecnológico posto ao serviço de alegada precisão e especialização de intervenções ditas ?cirúrgicas? com armas ?inteligentes? tem-se revelado consistentemente um argumento falacioso. Desde a Segunda Guerra Mundial a estratégia militar não tem mudado nesse respeito; em 1945 foram lançadas bombas atómicas sobre cidades japonesas (alvos civis); na Guerra do Vietname foram utilizados intensamente agentes de guerra química ambiental e bombas de ar-fuel pela primeira vez; na Primeira Guerra do Golfo foram utilizadas munições com urânio empobrecido em larga escala; na Guerra dos Balcãs foram estreadas as bombas de grafite e os feixes de microondas; na Segunda Guerra do Golfo (Afeganistão e Iraque) foram estreados novos mísseis e bombas perfurantes e bombas MOAB. A escala de brutalidade vai aumentando e o universo dos imolados expandindo.
É impressionante o inventário de armas e dispositivos militares concebidos e mesmo já utilizados nas últimas décadas e, sobretudo, após 1990. Registemos os mais notórios: mini-nukes (projecteis ou bombas com ?pequenas? cargas nucleares, com elevado poder destrutivo e tóxicas); MOAB (bombas convencionais mas super-pesadas); bombas de ar-fuel ou termobáricas (com grande poder destrutivo e letal à superfície do terreno); bombas de fragmentação incluindo a variante ?cluster bombs? (todas elas com grande poder letal); bombas de grafite (que incapacitam o transporte e distribuição de energia eléctrica e sequentemente de água); armas electro-magnéticas (que produzem à distância efeitos de rotura nas telecomunicações e no transporte e distribuição de energia eléctrica e que podem ser utilizadas na alteração do estado meteorológico; o sistema HAARP utiliza esse princípio); armas de energia dirigida (feixes de microondas ou outra radiação, tendo efeitos destrutivos ou de incapacitação funcional de equipamentos); armas cinéticas (projécteis com elevados poderes destrutivo e perfurante, fornecidos por um propulsor e não por um explosivo; utilizam em geral urânio empobrecido, sendo por isso tóxicas); satélites militares (plataformas remotas de telecomunicações e observação, também de comando de acções militares em tempo real em qualquer ponto do globo); sistemas globais de espionagem electrónica (política, militar ou económica, capaz de produzir informação em conflitos de poder ou influência de toda a natureza; parasitam todas as modalidades de telecomunicações; caso notório ?Echelon?); etc.
Sinistro cenário. A humanidade não merece tanta maldade.


  
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Edição:

N.º 137
Ano 13, Agosto/Setembro 2004

Autoria:

Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora
Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora

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