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Renovar o estudo de Paulo Freire

Por muitos considerado o mais importante pedagogo do século XX, Paulo Freire conceptualizou a ?politicidade? da educação, desenvolveu as bases de uma educação e de uma pedagogia políticas de raiz democrática e emancipatória, sendo um precursor da pedagogia crítica. Num tempo marcado pela despolitização e mercantilização da educação, por visões produtivistas e tecnocráticas, pelo apelo à competitividade e à pedagogia contra o outro, a actualidade da obra de Freire parece-me evidente. Isto não significa que as suas análises e propostas não devam ser objecto de crítica, nem que várias dimensões do seu pensamento não fiquem sujeitas à erosão do tempo. Há porém muitos elementos que não só permanecem actuais como, possivelmente, permanecerão intemporais; é isto mesmo que caracteriza um clássico, no melhor sentido do termo e, neste caso, certamente num sentido não canónico. Bastará, de resto, estudar Freire a partir das suas recomendações em torno do acto de estudar­­, uma démarche que exige uma ?postura crítica?, que é ?tarefa de sujeito? e ?uma forma de reinventar, de recriar, de reescrever?, para escapar a exercícios meramente celebratórios ou de consumo das suas ideias
É o estudo não alienado ao texto e o diálogo crítico com ele no sentido de o recriar a partir, também, dos interesses e da leitura do mundo de cada um de nós, que nos permitem a redescoberta de Freire e a renovação da sua obra.
No meu caso, após um primeiro contacto de estudante com a ?Educação como Prática da Liberdade? e a ?Pedagogia do Oprimido?, em meados da década de 1970, o meu interesse por Paulo Freire só virira a ser verdadeiramente remobilizado a partir do início da década de 1990, com a leitura da colectânea de entrevistas intitulada ?A Educação na Cidade?. Esta obra, onde se encontram de forma criativa e estimulante o pensamento político-pedagógico e a reflexão em torno da acção político-administrativa de Freire enquanto secretário de educação do Município de São Paulo, representou para mim um novo ponto de partida para revisitar o já lido e para renovar o seu estudo através de um diálogo com as obras mais conhecidas (anos 60 e 70 do século passado) e com as obras mais recentes (anos 80  e especialmente 90), de entre as quais destacaria ?Pedagogia da Esperança?, ?Professora Sim, Tia Não?, ?Cartas a Cristina? e ?Pedagogia da Autonomia?. É neste último que o autor, retomando muitos dos tópicos mais marcantes nas suas primeiras obras, procura novas articulações com a ideia de uma pedagogia da autonomia, entendida como uma pedagogia centrada na prática de decisões participadas e autónomas, ou seja, baseada na capacidade deliberativa dos actores educativos, no quadro de uma organização educativa estruturada e governada democraticamente. Enquanto projecto de ensinar e aprender através da prática de decisões, a pedagogia da autonomia, em Freire, recusa abordagens didactistas e derivas de tipo técnico-instrumental, antes assumindo a sua natureza política. O exercício da pedagogia da autonomia não é  possível à margem da luta por autonomia para a pedagogia, isto é, fora da autonomia do campo pedagógico, dos actores educativos e da própria escola. Conforme pude concluir num estudo que dediquei a esta matéria, intitulado ?Organização Escolar e Democracia Radical? (São Paulo, Cortez, 2000), para Paulo Freire é indispensável  a construção de contextos, situações e práticas de ?autonomia da pedagogia da autonomia?.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 137
Ano 13, Agosto/Setembro 2004

Autoria:

Licínio C. Lima
Instituto de Educação e Psicologia, Univ. do Minho
Licínio C. Lima
Instituto de Educação e Psicologia, Univ. do Minho

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