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O Desafio de sermos Contemporâneos do nosso tempo Ou Paulo Freire pela mão de Maria de Lourdes Pintasilgo

A abrir esta página na PÁGINA é preciso que situe os leitores e as leitoras no tempo: escrevo passado uma semana depois da morte súbita da minha querida amiga e «despertadora» da minha consciência, Maria de Lourdes Pintasilgo.
Conheci Paulo Freire por intermédio de Maria de Lourdes Pintasilgo, ?Engenheira de Utopias? como a define Fernando Dacosta na Visão de 15 de Julho 2004.
Escrevia-me ela em 1970 (em francês, porque eu não falava português), pouco antes de Paulo Freire ir ao meu país, a Holanda, para um encontro em Amsterdão (onde eu era estudante e fazia parte da equipa de preparação): ?Da mesma forma que não podemos deixar os «pobres» abandonados à sua sorte, também não podemos abandonar os «ricos» no seu conforto?.
Constatar a actualidade do pensamento de pessoas como Paulo Freire e Maria de Lourdes Pintasilgo não pressupõe apenas a necessidade de contestação das dinâmicas societais dominantes, mas implica também uma tarefa árdua e constante de alargar as redes de resistência a um mundo cada vez mais desumano, em que a qualidade de vida de todos os seres vivos está a deteriorar-se dia após dia.
A minha experiência de trabalho em contextos educativos, tanto não-formais como formais,  ensinou-me que a filosofia e a metodologia de conscientização de Paulo Freire sempre foram «meios» extremamente poderosos para fazer avançar as pessoas na procura daquilo que Maria de Lourdes Pintasilgo chama sermos «contemporâneos do nosso tempo».  É no tempo em que a nossa vida se desenrola ?que estão inscritas as nossas vivências, os nossos pensamentos, os gestos de cultura que foram, nas sempre saborosas palavras de Paulo Freire, «o acrescentamento que o homem faz ao mundo que não fez».? Pergunta ainda Maria de Lourdes Pintasilgo no seu artigo Contemporâneos do nosso Tempo, publicado na Visão de 9 de Dezembro 1999: ?Terá havido um tempo de que não dei conta? Terão escorrido por mim os dias, os anos, sem que lhes tenha percebido o ritmo, o atropelo, o conflito, o apelo??  É preciso aprender a ?agarrar o tempo, com as mãos e alma?.
É para isso que também Paulo Freire nos desafia quando escreve: ?Sou uma inteireza e não uma dicotomia. Conheço com o meu corpo todo, sentimentos, paixão. Razão também.? ?Sentir, pensar, sonhar, viajar, agir? são, segundo Maria de Lourdes Pintasilgo, os cinco verbos de Bernardo Soares que representam ?a mudança de paradigma que o nosso tempo reclama. (...) No paradigma de Bernardo Soares/Fernando Pessoa, o sujeito da educação é o eu que pensa e sente e não o educador que dá informação. (...) O que seriam os conteúdos da educação se acreditássemos convictamente, com os sentidos e o pensamento, que «considerar uma coisa ou parcela da realidade cada vez de modo diferente é renová-la, multiplicá-la por si mesma»?
Há pessoas que continuam a ser as nossos contemporâneas, muito depois da sua morte. Que sejamos capazes de agarrar com as nossas mãos e a nossa alma aquilo que nos deixaram como desafio e exigência.


  
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Edição:

N.º 137
Ano 13, Agosto/Setembro 2004

Autoria:

Maria Helena Marijke de Koning
Docente da Escola Superior de Educação, Membro da Associação GRAAL
Maria Helena Marijke de Koning
Docente da Escola Superior de Educação, Membro da Associação GRAAL

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