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Fragmentos críticos do quotidiano de vida das Ciências Socais - II

Este texto dá continuidade a um outro, que publiquei com o mesmo título no último número d? A PÁGINA da educação. Pretendo com eles criticar aspectos particulares da cultura profissional quotidiana das Ciências Sociais (CS)  em Portugal.

No texto anterior expliquei e descrevi quais eram os espaços e tempos, em que julgo, se cultiva e aprende a fazer, a pensar e estar numa comunidade científica. Em síntese, dizia que aqueles que, de alguma forma se referenciam às CS, construímos e reproduzimos, ainda que de uma forma desigual, a nossa cultura profissional, no modo como falamos e descrevemos o que fazemos em conjunto e no modo como consensualizamos rotinas de acção entre ?nós?. A conclusão crítica que tiro do que descrevia é a de  que estes espaços e tempos públicos que poderiam potenciar o debate intelectual sério nas CS são utilizados pela nossa cultura profissional quase só para a consagração da pessoa que fala e quase nunca para a apreciação (não confundir com avaliação da competência!) partilhada e pública das suas ideias pela sua comunidade científica.
Num texto de 2002, da autoria de Curto, George e Jerónimo (1), o diagnóstico que se faz das CS em Portugal é demolidor, sendo surpreendente e bastante significativo, para mim, o facto de ser escrito como nota de apresentação de um livro e de não ter tido qualquer reacção escrita polemizadora, por  exemplo, por parte dos porta-vozes da Sociologia institucionalizada em Portugal.
Penso que esta cultura profissional reflecte muito o que informalmente os Centros de Investigação são (ou que não são, para ser mais claro): existem equipas duráveis e continuadas de investigação?; existe debate intelectual entre equipas dentro de cada Centro?; existem parcerias e equipas inter-institucionais entre Centros? que revistas de Ciências Sociais existem que não sejam meros reflexos de instituições localizadas? que circulação de textos-rascunhos existe entre colegas que investigam em temáticas semelhantes? qual a frequência com que são publicados trabalhos colectivos (de vários autores) que não sejam apenas relatórios de resultados de grandes inquéritos?
A resposta que tenho para estas questões, no quadro da minha experiência e da de outros que me relatam a vida interna dos Centros de Investigação, espalhados por todo o país, é a de que os Centros praticamente não têm vida colectiva, tudo se faz de modo disperso, muitas vezes de modo individualizado, sem condições de criar dinâmicas mais alargadas que possam entusiasmar os aprendizes das Ciências Sociais em geral.
A ser verdadeiro este diagnóstico, penso que poderemos mesmo perguntar se estamos em presença de uma comunidade científica ou mesmo de campos científicos suficientemente estruturados. No diagnóstico de Curto, George e Jerónimo, que falava atrás, afirma-se que estaremos perante "sistemas de patrocinato", típicos, digo eu, de um contexto universitário tradicionalista. Mais uma vez, uma simples pergunta: porque é que as instituições e organizações que ocupam um lugar central na estrutura de poder dos campos das CS em Portugal não criam uma lista electrónica geral e aberta a todos os interessados em informar, em reflectir e em debater as CS em Portugal? As "grandes  dificuldades" que me dizem haver em criar algo do tipo, indicam-me que muito provavelmente terei razão neste diagnóstico.

1. Curto, Diogo, George, João Pedro e Jerónimo, Miguel Bandeira (2002), "Nota de apresentação", in  Bryan Turner (org.), Teoria social. Lisboa, Difel, IX-XIV.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 137
Ano 13, Agosto/Setembro 2004

Autoria:

Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real
Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real

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