Devo a Carlos Paredes o prazer de me fingir guitarrista ao ouvir o seu dedilhar, em movimento perpétuo. Discretamente, punha o vinil a rodar a 33 rotações por minuto e sentia-me a tocar, numa guitarra imaginária. Imaginava também a assistência e o efeito que a minha mestria nela estaria a provocar. Na única vez em que falei com Carlos Paredes estive tentado em confessar-lhe este pecado de plágio em pensamento mas estava tão envergonhado que nada lhe disse. Hoje, tenho a certeza que Carlos Paredes me perdoaria a ousadia e que até seria capaz de lhe achar alguma graça, quem sabe, mesmo, alguma explicação. Ele reconhecia que as pessoas gostavam de o ouvir tocar e que algumas até choravam quando o ouviam. Atribuia o feito à sonoridade da guitarra, mais do que à música que tocava ou como tocava. «Se eu toco para várias pessoas que me ouvem com atenção, é porque lhes estou a dar prazer», admitia ele. Com a tranquilidade de quem sabe que cumpriu a missão, nas palavras de Luísa Amaro, a companheira que o acompanhava e que o acompanhou nos últimos 20 anos, Carlos Paredes deixou-nos, há dias, em saudade perpétua. Eu fui à procura daquele velho disco que eu gostava de ouvir fingindo estar a tocá-lo, mas não o encontrei. Comovi-me até às lágrimas. Que falta me faz a música dele. Eu sei que ele a deixou, como um legado. Mas já não vai ser tão fácil fingir-me de artista ao ouvi-lo.
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