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Interculturalidade e reconfiguração de identidades

Da visão romântica e exótica do outro aos novos sentidos de interculturalidade

A educação para a participação numa sociedade pluralista, integradora de uma crescente diversidade de grupos, não pode deixar de ter em conta os reais interesses e anseios que, em cada momento, motiva a sua participação na sociedade alargada. As identidades culturais daqueles grupos estão em permanente reconfiguração em consequência dos desafios e pressões colocados pela cultura da sociedade de acolhimento, pela necessidade de (sobre)viver nessa sociedade ? com as contradições que sempre encerra - pelas mudanças globais e pela emergência de novos interesses e motivações. No entanto, estes têm sido aspectos pouco considerados nos processos políticos de inserção social e cultural dos diversos grupos étnicos e culturais. Esta lacuna abrange logicamente as políticas educativas incluindo a acção das escolas e dos professores. Em geral, os determinantes profundos das orientações políticas face aos imigrantes e minorias decorrem da necessidade de controlo dos fluxos imigratórios e da acomodação resignada e pacífica dos que chegam, de imagens estereotipadas acerca das suas culturas, do sentimento de ?ameaça` face ao outro diferente, de situações de tensão social e de marginalidade em que, ocasionalmente, elementos das minorias e das comunidades imigrantes intervêm mas que facilmente são ampliados ou incorrectamente desmontados. Falta, em suma, uma atitude prospectiva na definição das políticas que tenha em conta reais anseios das comunidades e que simultaneamente as comprometa bem como às instituições geradoras e coordenadoras dessas políticas, em processos pluralistas de participação e igualdade de oportunidades.
Numa época de desvalorização do conceito de relativismo cultural face a sociedades cada vez mais globalizadas e heterogéneas e em que a dinâmica de cada cultura, em cada momento, resulta cada vez mais de contactos, trocas e cruzamentos com outras culturas, parece indispensável reconsiderar, neste contínuo processo de transversalidade cultural, o que em cada momento mantém uma cultura diferente de outras, quais os traços identitários consistentes dessa cultura, que elementos novos ou vindos de culturas mais ou menos próximas, transformaram essas identidades e criaram novos interesses e anseios. Parece esgotada a visão de identidades exclusivamente construídas com referências em descrições exóticas e passadas e enquadradas pela velha ideia de relativismo cultural. É certo que a necessidade de mudança no contexto das culturas minoritárias é consequência de mudanças mais amplas que interessam sobretudo, e em primeiro lugar, à cultura dominante, reflectindo relações desiguais de poder e de protagonismos das culturas em presença nessa sociedade. Mesmo assim, não podemos deixar de considerar os efeitos dessas mudanças junto dos diversos grupos étnicos e culturais e o facto de muitas também serem para elas vantajosas. Estes processos de contactos e mudanças culturais levantam questões que, inevitavelmente, têm de ser consideradas. Por exemplo: Como vão as minorias e grupos imigrantes acomodando-se às mudanças culturais? Como são redefinidos traços da sua identidade e dos seus modos de vida para participarem na sociedade alargada? De que modos específicos desejariam, de facto, integrar-se nessa sociedade? Qual é a margem de liberdade para participarem nos benefícios dos mudanças? Como contornam as resistências da sociedade alargada à realização dos seus reais anseios? Não se sentirão alguns desses grupos cercados por definições culturais, mal ou bem intencionadas, irreais e ultrapassadas e constrangendo-os a modos de vida que agravam ainda mais a sua condição de minorias?
A persistência na identificação cultural das comunidades minoritárias excessivamente baseada numa visão romântica, passada e exótica, ignorando os efeitos dos contactos, trocas e aculturações no seio da sociedade alargada, pode suportar discursos e práticas de ghettização e de discriminação e contribuir para reacções excessivas, à margem das regras de convivência democrática.
A realidade tem mostrado que, sem colocar em questão os traços essenciais da sua identidade, as diferentes culturas não são intransigentes face a processos de aculturação e, em muitos domínios, desejam-na como meio indispensável de aceder a novos valores e a melhores condições de vida. Com efeito, o confronto como as mudanças sociais e tecnológicas e com a diversidade cultural coloca, frequentemente, em questão a continuidade de traços culturais herdados no seio de uma certa comunidade. É um processo de todos os tempos acentuado, no entanto, com a crescente globalização. A assimilação de traços de outra cultura pode ser vista como um processo de enriquecimento de uma cultura e de melhores condições de vida. Parece inegável que, ao longo da história, o balanço das aculturações é positivo. À luz dos direitos humanos, o bem estar do ser humano não é realizável através da obediência cega a todos os traços que caracterizaram, no passado, as suas culturas. Com efeito, não é difícil identificar, em diversas culturas, práticas que, em si, constituíram ou ainda constituem claras violações dos direitos humanos. Por outro lado, a representação de outras culturas de acordo com perspectivas arcaicas e exóticas, ignorando os impactos positivos da difusão cultural, científica e tecnológica tende a isolar essas culturas dificultando-lhes o acesso a bens estimáveis e às vantagens do convívio intercultural em sociedades caracterizadas pela diversidade.


  
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Edição:

N.º 137
Ano 13, Agosto/Setembro 2004

Autoria:

Carlos Cardoso
ESE de Lisboa
Carlos Cardoso
ESE de Lisboa

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