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Fado-Fátima-Futebol

O Estado Novo era acusado de fomentar o milagre de Fátima, o Fado e o Futebol, com o interesse objectivo de desviar as atenções do povo português do subdesenvolvimento em que jazia (?) e hoje não acontece o mesmo?...

Todos nós, os que vivemos em ambientes adversos ao regime salazarista (eu trabalhei, durante treze anos, no Arsenal do Alfeite, onde o Partido Comunista desenvolveu, até 1974, uma frutuosa actividade) recordamos que o Estado Novo era acusado de fomentar o milagre de Fátima, o Fado e o Futebol, com o interesse objectivo de desviar as atenções do povo português do subdesenvolvimento em que jazia ? subdesenvolvimento disfarçado, aqui e além, por um certo paternalismo patronal. Demais, a hierarquia católica, encimada pelo Cardeal Cerejeira, lente da Universidade de Coimbra no tempo em que Salazar o era também, apoiava declaradamente a ditadura, embora a excepção que foi D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto. O dr. Raúl Rego, que muito me ensinou quando fui deputado na VI Legislatura (ele gostava de preguiçar patriarcalmente, em conversas pós-prandiais) escreveu o seguinte, no opúsculo, Para um diálogo com o Sr. Cardeal Patriarca (1968): ?Não comprometerá a hierarquia (...) o facto de um bispo acompanhar, na sua diocese, um ministro, em toda a campanha eleitoral? Não comprometerá a hierarquia o facto de outros bispos mandarem o seminário assistir às sessões de propaganda da União Nacional? E, acima de tudo, não se sentirá comprometido o Sr. Cardeal Patriarca e não se sentirão comprometidos todos os Bispos de Portugal, pelo silêncio absoluto, perante tantos e tantos atropelos à liberdade individual e aos direitos mais sagrados do cidadão??(p.18).
Enfim, a hierarquia católica, conluiada com Salazar, ao proclamar o discutível milagre de Fátima; o Governo ?estadonovista?, aplaudindo e apoiando o futebol; o fado tristonho e fatalista ? faziam o jogo, segundo os oposicionistas do corporativismo salazarista, da Ditadura, inserindo-se abertamente na propaganda nacionalista-reaccionária. No entanto, uma questão poderá levantar-se: e hoje não acontece o mesmo?... A mão lenta, rendilhosa, elegante do Vaticano e dos Bispos portugueses continua a difundir, a propagar a veracidade do milagre de Fátima; o futebol encontra-se bem amesendado à gamela do orçamento, rodeado pelas administrações beócias de alguns políticos; o fado prossegue como um produto refinado da nossa melancolia congénita, esbanjando uma tristeza blandiciosa que nos entorpece e adormenta. É certo que vivemos em democracia; é certo que os Doutores Salazar e Cerejeira já morreram e, para nosso bem, não deixaram descendentes; é certo que, em Portugal, parecem poucos os que prestam orelha deferente aos dirigentes dos partidos de extrema-direita ? mas não é verdade que os três éfes (Fado, Fátima e Futebol), digamo-lo sem despeitos nem reservas, estão aí vivos e bem vivos? Sobre Fátima, não discuto, sinto-me até diante deste assunto um plumitivo estreante. Sou um agnóstico devoto (não sei quem é Deus, mas vivo como se O conhecesse). Sobre Nossa Senhora de Fátima, francamente, duvido muito que tenha vindo do céu à terra garrular com os três pastorinhos. No que respeita ao futebol profissional, penso poder acrescentar alguma coisa: ele é o fenómeno cultural de maior magia e uma boa selecção nacional identifica, distingue, singulariza um país. Mas estou a nivelar-me por uma crítica malsã, se pergunto por que em muitas autarquias parece haver mais dinheiro para o futebol-espectáculo do que para a satisfação das necessidades primárias das populações? Ou se os políticos manifestam uma emoção, pelas vitórias da selecção nacional de futebol como o não fazem, em relação aos (chamemos-lhes assim) ?campeões? das artes, das ciências e das letras?
Quem me conhece sabe como me agrada um jogo de futebol bem jogado, como sou (aos 71 anos de idade) um habitual frequentador dos estádios de futebol, como convivi (tanto em Portugal, como no Brasil) com jogadores e treinadores de nomeada. Não fico, por isso, saturado de pessimismo e desdém, quando falo de futebol. Mas vamos pôr as coisas nos seus lugares. E há coisas mais importantes do que o futebol. Vejo agora que me alonguei numa escrita que talvez não agrade a muita gente. Ocorre-me uma quadra que ouvi, há muitos anos, ao abade da aldeia onde nasceram meus pais:

Ó meu Deus, eu já não sei
No mundo como viver.
Se choro, o povo fala.
Se canto, tem que dizer.

SÉCULO XXI
Marlon Brando

Foi um jovem de beleza ofuscante, uma peitaça apolínea, um sex-symbol, morreu feio e frágil, um monstro de gordura e de impotência. Foi um actor que o mundo todo admirou, considerando-o mesmo ?um dos maiores da história do cinema?, acabou deprimido, com patologias várias e suando gelo nas faces tensas. Nadou em dinheiro, pouco tinha quando faleceu. Chamava-se Marlon Brando! Os seus biógrafos hão-de concluir que é preciso voltar à procura do sentido da vida. Um epicurismo elegante, sem mais nada, a nada leva, designadamente quando as doenças irrompem e a morte se anuncia. Dizia Pascal que o silêncio dos espaços infinitos metia-lhe medo. Só que a palavra será sempre a nossa. Será ela que poderá povoar os espaços infinitos de que fala Pascal. Deus é «Deus Absconditus» (Deus escondido). Hoje! Sempre! No entanto, «Um Eléctrico Chamado Desejo,» ou «Há Lodo no Cais,» ou «O último tango em Paris» formam talvez o friso dos filmes que mais me entusiasmaram, ao longo de mais de sessenta anos de ?quase? cinéfilo.

Bruno Bacelar


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 137
Ano 13, Agosto/Setembro 2004

Autoria:

Manuel Sérgio
Universidade Técnica de Lisboa
Manuel Sérgio
Universidade Técnica de Lisboa

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