Página  >  Edições  >  N.º 136  >  Algumas (in)flexões à futura - Lei de Bases da Educação

Algumas (in)flexões à futura - Lei de Bases da Educação

Há alturas na nossa vida que devemos de as aproveitar e agarrar como se fosse o último dia, sob pena de, não o fazendo, desperdiçarmos uma oportunidade que jamais se cruzará no nosso caminho ou, se se cruzar, poderá já ser tarde.

A entrada deste texto, pode parecer à primeira vista que, o que a seguir se escreve, será ?qualquer coisa? de crítico em relação ao tema a desenvolver e, por isso mesmo, condicionante e condicionador daquilo em que irei reflectir.
Mas, que dizer de uma Lei de Bases? Como falar de um ?plano de profundas intenções? relacionadas com a Educação? Como qualquer Lei complexa, e esta é-o muito mais, este normativo legal recentemente aprovado na Assembleia da República e a aguardar promulgação, não esconde a sua faceta marcadamente política, sendo difícil de ser perceptível, já que se encontra envolvida numa teia técnica e tecnocrática só passível de ser desvendada pelos ?experts na matéria?, o que não é o caso.
Um dos grandes esteios desta Lei é, desde logo, a institucionalização dos ?12 anos de escolaridade obrigatória?. Esteio e, desde logo, alvo certo: ?como pode a escolaridade passar para 12 anos, quando é sabido que o sistema educativo português tem sido incapaz de tornar efectivo o sucesso da actual escolaridade obrigatória de 9 anos??, perguntarão os mais expeditos e esclarecidos, como é o caso dos conselheiros do Conselho Nacional da Educação. E, na verdade, não deixam de ter razão; desde logo porque o abandono escolar precoce dos nossos jovens (aumentando à medida que subimos na escolaridade) é dos mais elevados a nível na União Europeia, pois ainda não foram tomadas medidas enérgicas e acertivas, destinadas a prevenir e combater o abandono precoce e os fenómenos de marginalização daí decorrentes. Para isso, terão de ser concertadas políticas comuns nos vários ministérios, articulando-se vários programas conducentes ao combate ao abandono escolar que deveria envergonhar os autores da sigla ?Portugal em acção?.
De igual modo, e pelo facto de a educação básica ser reduzida de 9 para 6 anos, isso não poderá significar que o Estado invista menos na educação básica comum. Antes, torna-se necessário um maior investimento nesta área, para que as escolas recebam recursos materiais e humanos de modo a que seja reforçada a integração, a permanência e o sucesso dos alunos que, precocemente, abandonam o nosso sistema de ensino. É de não colocar de parte e ter sempre presente que ainda há não muitos anos, o país investiu numa rede de escolas que formam o actual 2º e 3º ciclo; assim, e nos termos da proposta de mudança, o actual 3º ciclo vai associar-se ao 1º ciclo do ensino secundário, o que implicará uma profunda readequação da rede escolar. Ao mesmo tempo, temos em curso uma revisão curricular, tanto no ensino básico como no ensino secundário, não tendo sido feita ainda a respectiva avaliação.
Um dos pontos que já provocou enormes discussões, esclarecimentos e opiniões, refere-se à administração das escolas, sendo uma área importante e que tem o seu ?lugar de honra? na proposta do Governo. Particular ênfase é dado ao órgão executivo das escolas e à designação/eleição/escolha dos respectivos membros, apontando para que os respectivos titulares sejam ?escolhidos mediante um processo público que releve o mérito curricular e do projecto educativo apresentado e detenham formação adequada ao desempenho do cargo?. A polémica rapidamente instalou, não só devido à confusão que este normativo gerou, como também em relação ao facto de a ?Constituição? de qualquer estabelecimento de ensino que é o Projecto Educativo, ter que ser ?apresentado? pelo candidato ao órgão executivo. Ora, desde logo se alvitrou uma incongruência: um documento ? projecto educativo - que necessita ser negociado, participado, democratizado, teria que ser ?imposto? pelo futuro ?gestor?! Aliás, foi esta figura ? ?gestor? ? que logo pairou nas mentes dos elementos das comunidades educativas; pairou mesmo como sendo o ?mau da fita?. Entretanto, e na tentativa de serenar os ânimos, o Ministro da Educação, Dr. David Justino, veio a terreiro defender que o ?gestor seria o professor com formação adequada?, remetendo para casos excepcionais o ?gestor puro?. Esperemos que, e porque se trata de um ponto fundamental para o sucesso da lei de bases que tarda em ser aprovada, o excelente trabalho feito na esmagadora maioria das escolas portuguesas, seja reforçado com meios materiais e humanos que ajudem os profissionais que se encontram a ?comandar/orientar? os destinos das nossas escolas e que aqueles sejam ?escolhidos? através de um processo, o mais possível democrático e participado.
Por último, importa dizer que a educação terá de ser vista como um factor estruturante e estrutural para o desenvolvimento do País, sendo que o investimento nesta área deverá ser muito maior e mais destemido do que até aqui tem sido feito. Ao invés, a produção legislativa no que concerne à educação deverá ?refrear os ânimos?, pois a alteração/reforma de/em qualquer área, deve ser antecedida da competente avaliação, sob pena de uma avassaladora ?desestabilização reformista?, com consequências funestas para o nosso sistema de ensino e, no final de contas, para todos nós.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 136
Ano 13, Julho 2004

Autoria:

Filinto Lima
Professor, Oliveira do Douro
Filinto Lima
Professor, Oliveira do Douro

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo