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?Esta maioria está a prestar um péssimo serviço ao país?

Albino Almeida, presidente da
Confederação Nacional das Associações de Pais - CONFAP:

A nova Lei de Bases da Educação não agrada a professores, pais e aos partidos da oposição e está longe de reunir o consenso que um documento desta natureza necessita. Albino Almeida, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), explica nesta entrevista as razões que o levam a considerá-la uma ?má Lei de Bases? e a ter pedido ao Presidente da República que a reenvie ao Parlamento para nova discussão.


De que forma encara a CONFAP a nova Lei de Bases da Educação?

A Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP) apresentou em tempo útil as suas críticas e sugestões a esta Lei de Bases da Educação. Pensamos que o governo não teve coragem de assumir uma ruptura com o governo anterior e limitou-se a remendar um conjunto de leis do executivo socialista, procurando passar a imagem de que estava a seguir leis consensuais ? como o Decreto-Lei 115/A de 98 ? impondo, depois, os agrupamentos de forma unilateral.
Neste momento estamos num beco sem saída e sente-se uma completa desorientação no seio do Ministério da Educação. A três meses do início do ano lectivo não sabemos ainda como se irão processar questões fundamentais como as que se referem ao ensino secundário e ao ensino recorrente, que decorre de um excesso de produção legislativa, que não se sedimentou e que, em muitos casos, não chegou ao terreno, situação pela qual o senhor ministro da educação é directamente responsável. Em alguns casos foi de tal maneira grave que cortou a capacidade das comunidades educativas absorverem, interpretarem e aplicarem estas leis.
Esta é uma LBE que ficou dependente de um consenso nacional, o que nos levou a pedir ao Presidente da República que fizesse uso das suas competências e não promulgasse a lei, devolvendo-a à Assembleia da República para se poder obter um consenso que um documento desta natureza necessita.

A falta de consenso em torno da LBE foi uma das principais críticas apontadas pelas estruturas sindicais e pelos partidos da oposição?

E com toda a razão. Temos reuniões agendadas com as diferentes organizações sindicais para debater este tema porque achamos que a cooperação entre pais e professores é fundamental para a escola. A forma como esta LBE foi aprovada é a pior possível porque o governo está a passar a ideia à comunidade educativa de que não vale a pena ela empenhar-se em matéria nenhuma que saia da sua iniciativa porque tudo será modificado quando o ciclo político mudar.
Mas os pais estão fartos de verem os filhos serem cobaias do experimentalismo político que os vários governos vão permitindo em matéria educativa. Independentemente da posição política dos elementos da CONFAP, a sua direcção está interessada em que o governo, o ministro e as autarquias tomem medidas acertadas, porque independentemente do que lhes acontece politicamente são os nossos filhos que pagam pelas suas decisões.
Nós dizemos que é preferível construir uma boa Lei de Bases através da modificação de alguma legislação anterior do que aprovar uma má Lei de Bases. É quase como admitir que de cada vez que mudasse o ciclo político a Constituição pudesse mudar alguns dos grandes princípios que ela consagra. Nesse sentido, esta maioria está a prestar um péssimo serviço ao país. Espero que haja razoabilidade política e que o ministro seja coerente. Houve muitas pessoas do movimento associativo de pais que votaram no partido do governo e estão profundamente desiludidas com este autismo e com esta política perfeitamente inacreditável que o executivo tem seguido em matéria de política educativa.

Um dos grandes objectivos da nova LBE passa por alargar a escolaridade obrigatória para os 12 anos. Será que essa é uma medida que fará sentido quando se sabe que quase metade da população portuguesa não chega sequer a terminar o 9º ano de escolaridade?

Nós percebemos o drama do governo nesta matéria, porque sabia-se que quando entrassem os novos membros da UE Portugal iria passar a ocupar o último lugar em termos de resultados educativos. O ministro sabia isto, tal como o governo anterior, e para não perder direito a alguns subsídios teve rapidamente de colocar o ensino secundário como obrigatório.
O que dizemos agora ao governo é que se preocupe em tornar efectiva, para além de obrigatória, a frequência do ensino secundário. E para atingir esse objectivo é preciso mudar muita coisa, que começa desde já mal: as reuniões de rede estão atrasadas para o secundário, as ofertas específicas educativas das escolas secundárias também, as inscrições estão a terminar e os pais ainda não sabem onde hão-de colocar os filhos porque desconhecem as ofertas de função vocacional.
Os alunos que entram agora no 5º ano já serão alunos do ensino secundário obrigatório, mas é preciso que o governo crie condições para que os alunos sintam que a sua frequência tem utilidade. Porque ela é realmente decisiva. Tal como dizia o Agostinho da Silva: é preferível pessoas desempregadas com formação superior do que desempregados pelas baixas qualificações ou quando estão empregadas terem salários miseráveis como acontece em Portugal.

Outras das questões polémicas em torno da nova LBE diz respeito à profissionalização da gestão das escolas. Qual é a posição da CONFAP nesta matéria?

Em relação à profissionalização da gestão das escolas consideramos que tudo o que possa ser absorvido pela gestão de um estabelecimento de ensino em matéria de organização e métodos com vista à sua certificação de qualidade é benéfico. E há hoje métodos e procedimentos mundialmente aceites como definidores de padrões de qualidade para determinadas tarefas, nomeadamente as educativas. No entanto, a CONFAP considera que deverão ser sempre os critérios de ordem pedagógica a orientar este processo.
O senhor ministro já reconheceu que não tem dinheiro para pagar a gestores profissionais, agora diz que devem ser preferencialmente professores, posição com a qual estamos de acordo.
Apesar de não termos uma posição definitiva sobre esta matéria - neste momento estamos a discuti-la e iremos tomar uma posição pública sobre ela em Setembro - mas achamos que a gestão das escolas deverá preferencialmente ser mista, isto é, os candidatos a gestores de escolas, que serão depois nomeados pelo governo, deverão ter o acordo das assembleias-gerais de agrupamento.
Isto, porque consideramos que o carácter simplesmente electivo dos órgãos de gestão tem vindo a funcionar com alguns vícios de forma, já que, com maior ou menor capacidade reivindicativa, em matéria de horários e constituição de turmas as coisas nem sempre funcionam de forma racional nem com intuito pedagógica, havendo pressão de quem elege e pressão de quem é eleito no sentido de tentar contemporizar com todas as partes, e nesse processo normalmente são os alunos que perdem.

As estruturas representativas dos professores acusam igualmente a LBE de retirar autonomia às escolas e aos seus órgãos de representação. Qual é a leitura da CONFAP sobre esta matéria?

A autonomia em Portugal é uma matéria que tem sido muito mal tratada e admira-me a perspectiva que muitos professores têm acerca do seu conceito. O conceito de autonomia deveria ser mais amplo do que aquele que habitualmente é considerado, implicando que a escola olhe para os seus alunos do ponto de vista da inserção na comunidade, que os professores efectivos não tentem cercear as práticas inovadoras trazidas pelos recém-chegados, que os conselhos executivos deixem de privilegiar as EB 2,3 nos agrupamentos para que as EB de 1º ciclo não venham interferir no seu trabalho e possa dizer ao senhor ministro que não só cumpre o currículo nacional como oferece serviços que servem os interesses da comunidade em que se insere. Quando a escola for capaz de fazer isto haverá verdadeira autonomia.
E aqui a lei pode fazer muito pouco porque esta é uma questão de mentalidade e de esforço da classe docente e dos sindicatos. Muitas escolas não sabem o que fazer quando falta uma regulamentação ou uma determinada legislação, e isso é a negação da autonomia. E mais uma vez são os pais que sentem como neste jogo com as barreiras da autonomia que os filhos saem prejudicados.

Como é a relação da CONFAP com as estruturas sindicais?

A relação da CONFAP com os sindicatos é excelente. Achamos que não há leis nem reformas no ensino que se façam sem professores e muito menos contra professores. É de braço dado com eles que os pais do movimento associativo já perceberam que podemos aspirar a uma excelente cooperação para um dia podermos ser parceiros efectivos em matéria educativa.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 136
Ano 13, Julho 2004

Autoria:

Albino Almeida
Presidente da CONFAP
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Albino Almeida
Presidente da CONFAP
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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