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Tempos e espaços de (con)formação da infância

Neste mesmo cenário de intensificação do trabalho infantil anuncia-se a crise do trabalho assalariado, a educação para o desemprego, a formação profissional para o trabalho incerto, a desvalorização social do trabalho e a ilusória centralidade da educação, entre tantas outras reflexões.

O que nós pedagogos sabemos da infância num momento em que ela explode em tantos outros tempos e espaços, além do espaço escolar? Como provocar o diálogo da teoria pedagógica com toda esta pluralidade de espaços formação e aprendizado, principalmente com as pesquisas e reflexões acumuladas sobre trabalho? Estreitar os vínculos entre as relações sociais na escola, na fábrica e no cotidiano da família e das cidades com as relações sociais de produção e a formação humana, pode fortalecer propostas de formação dos educadores.
Vasculhando algumas fontes na busca do tipo de diálogo que a teoria pedagógica tem estabelecido com as reflexões acumuladas sobre o trabalho na infância percebe-se claramente a ausência destas reflexões nas discussões pedagógicas. Um farto material proveniente de outras áreas e que explode aos nossos olhos traz fatos e imagens cada dia mais preocupantes sobre o trabalho infantil. Crianças espalhadas de Norte a Sul do país, no corte de palmas de sisal, nos garimpos, nas fábricas, nas pedreiras, nas olarias, nas indústrias de calçados, nas colheitas de tomate, povoando os lixões, nas indústrias de louça e porcelana, no tráfico de drogas, na indústria do fumo, nas carvoarias, têm representando um atrativo para o capital, como mão-de-obra barata e como futura mão-de-obra mais fácil de disciplinar.
Neste mesmo cenário de intensificação do trabalho infantil anuncia-se a crise do trabalho assalariado, a educação para o desemprego, a formação profissional para o trabalho incerto, a desvalorização social do trabalho e a ilusória centralidade da educação, entre tantas outras reflexões.
Este trabalhador-mirim não nasceu pronto. Foi preciso fabricá-lo, moldá-lo, integrá-lo nas relações de produção, colocar em jogo diferentes saberes para sua construção e muitas outras instituições, que não a própria produção, contribuíram com esse processo. Um olhar debruçado sobre todos tempos e espaços de formação pode ser elemento fértil para formar a sensibilidade histórica dos educadores e alargar a visão de que o ser humano não é só um escolar. Há outros pedagogos conduzindo a infância e outros lugares onde se fazem os deveres da vida. Lançar-se para outros currículos e grades onde se tenta (con)formar a infância pode levar a escola a libertar-se do aluno e melhor compreender essa infância que se forma às suas margens e dialogar com essa outra pedagogia.
Juntando-se os fios de todas os espaços de (con) formação da infância um quadro que fica bem visível é aquele que expõe a escola como um campo mais asséptico portador de um projeto civilizador e também de uma proposta de disciplinamento diferenciada (mais sutil) daquela realizada em outros lugares da infância. A escola aparece como o caminho que leva da exposição ao perigo e ao contágio moral à prevenção e integração. Assumir a condição de aluno implica livrar-se, lavar-se, limpar-se de outras. É a criança desodorizada dos espaços da rua, do trabalho, apenas um escolar. A passagem pela escola permite que se diferencie quem por ela passa e quem passa pelos outros espaços: a rua, o reformatório, pois aí se adquire um outro jeito de ser. Considerar estes espaços supõe desconstruir algumas imagens da infância, presentes vez ou outra nos jornais: ?Menor rouba aluno?, ?Pivete ataca criança?.
Se realmente a escola prega a todos os cantos que é preciso ?partir da realidade do aluno?, neste dizer, o que tem feito é desconsiderar outros pertencimentos onde a criança constrói sua identidade, e portanto furta-se ao diálogo com tantos outros tempos e espaços de formação.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 136
Ano 13, Julho 2004

Autoria:

Maria dos Anjos Lopes Viella
Universidade Comunitária Regional de Chapecó, Santa Catarina, Brasil
Maria dos Anjos Lopes Viella
Universidade Comunitária Regional de Chapecó, Santa Catarina, Brasil

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