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Universidades de Elite

Um intenso debate na Alemanha de Gerard Schroeder

Nos últimos dias do ano passado, 2003, o Kanzler alemão, Gerard Schroeder, anunciou um par de iniciativas prioritárias, a aplicar a curto prazo, umas mais inovadoras outras mais tradicionais, todas com o objectivo de encontrar novos caminhos para o relançamento da economia e revitalização social do país.  Entre essas novas ideias, surgiu a promessa da criação de Universidades de Elite na Alemanha.  Desde então o tema Universidades de Elite tem feito correr muita tinta na imprensa e alimentado muitas discussões.  Tem-se discutido o conceito, tem-se questionado o processo de aplicação, têm-se ouvido as mais diversas opiniões pró e contra as ditas Universidades de Elite, mesmo sem haver ainda uma noção clara do que serão, onde e como funcionarão.  Inicialmente pensava tratar-se de novas Universidades, criadas de raiz, à semelhança de universidades americanas e já se brincava nalguns jornais, com as potenciais Harvard an der Elbe ou Stanford an der Rhein. Recentemente fala-se da seleccção de algumas (as ?melhores?) das universidades já existentes para a reconversão em Universidades de Elite através da dotação de um financiamento nacional extraordinário e da reorganização segundo um novo modelo.
O tema Universidades de Elite aparece entretanto na mesma altura em que outro importante debate em torno das universidades se intensifica, o das propinas.  Na Alemanha, na quase totalidade dos Estados, os estudantes universitários (ainda) não pagam propinas e a ministra nacional para a educação afirmou, categoricamente que não vai ser pela mão dela que as propinas nas universidades alemãs vão ser introduzidas.
Ambas as questões ? Universidades de Elite e propinas ? fazem, aliás, parte de um debate mais alargado sobre as potencialidades das universidades como factores de crescimento económico e desenvolvimento regional que não se limita à Alemanha mas está aceso um pouco por toda a Europa.  Também a Universidade do Porto organizou um encontro sobre a articulação da Universidade com a região: Porto,Cidade, Região, no passado mês de Fevereiro.  Num ponto está toda a gente de acordo: no futuro mais próximo, na Europa, verificar-se-á um reforço do investimento na investigação e na formação, quer com meios públicos, quer privados, esperando-se mesmo um crescimento no envolvimento das empresas privadas em actividades de investigação.  Voltando à Alemanha, segundo a revista der Spiegel de 12 de Janeiro passado, o cenário é catastrófico: ?As universidades alemãs estão à beira do colapso: professores sobrecarregados, investigação mediana, estudantes frustrados, edifícios degradados e cada vez menos dinheiro do Estado. Mas o país precisa de académicos como nunca. Uma saída da miséria: propinas.?  A revista universitária Unicum Campus de Janeiro de 2004, com o título genérico de ?Apocalipse now: o que espera os estudantes universitários.? dedica vários artigos ao assunto e exibe uma série de fotografias de manifestações estudantis por toda a Alemanha. ?A Alemanha fica estúpida! Nós estamos nessa!? diz um cartaz, na capa.  Uma análise aprofundada dos custos dos diferentes cursos, do desempenho das respectivas universidades e uma comparação entre universidades públicas e privadas na Alemanha, confrontada com as Universidades de Elite americanas resulta porém num balanço inequívoco, segundo um estudo publicado na revista der Spiegel de 12 de janeiro de 2004: a qualidade das universidades não depende das propinas!! Nada que afinal não se soubesse já.
O assunto propinas não é novo em Portugal.  É difícil tomar uma posição sobre o assunto, não apenas por uma questão política e ideológica mas também por uma constatação empírica muito simples.  Desde que as propinas foram introduzidas ? e, neste momento os estudantes portugueses pagam das propinas mais altas da Europa - nada melhorou nas nossas universidades públicas.  Quase se pode dizer que tudo tem piorado, pelo menos do que eu conheço.
A história do capitalismo industrial foi marcada desde o seu início por processos de deslocação espacial de cadeias ou segmentos produtivos, devido à introdução de inovações técnicas ou de organização.  Quando uma determinada maneira de produzir, regra geral associada a uma tecnologia, se tornou ineficiente e sempre que estiveram criadas condições técnicas para se proceder a reestruturações no processo de produzir, ocorreram deslocalizações.  As indústrias foram procurando, ao longo da história, novas regiões para se modernizarem, abandonando aquelas onde se concentravam anteriormente, por ali serem difíceis as reestruturações.  As indústrias foram fazendo by-passes às regiões, deixando sucessivamente atrás de si, as regiões com problemas, entregues a si próprias.
São Paulo, no Brasil, é hoje a cidade do Mundo em que mais cresce o número de helicópteros particulares (Gaham;Marvin,2002). Certos habitantes da cidade, das camadas sociais com mais dinheiro, fazem os seus by-passes aos engarrafamentos, diariamente, deixando os passageiros de automóveis ou autocarros presos nos problemas do trânsito, entregues também eles a si próprios. Certos passageiros de aviões dispõem actualmente de cartões magnéticos que lhes permitem chegar às portas de embarque sem passarem pelas infindáveis filas dos check-in.  As suas responsabilidades ou o seu estatuto social não se compadece com essas demoras.  Enfim, a globalização oferece-nos um vasto repertório de situações em que a solução dos problemas consiste na marginalização dos próprios problemas, sejam eles económicos, sociais, culturais ou territoriais.  É a competitividade.  Uns ganham outros perdem. E as clivagens económicas, sociais, culturais e territoriais vão-se acentuando.
Também para as Universidades e para os seus problemas a solução mais rápida pode ser precisamente um by-pass, pela criação de novas universidades, de elite, ou com outro nome qualquer, organizadas segundo um modelo novo, diferente, que não coloque problemas ao Estado, antes traga resultados positivos em termos de investigação e formação de forma rápida e eficiente.  As velhas universidades ficarão entregues a si mesmas, ensarilhadas na sua burocracia e na manutenção de estruturas hierárquicas rígidas baseadas em critérios de antiguidade, num processo mais ou menos penoso de degradação e declínio.  Ninguém se irá preocupar com elas, naturalmente.  Não serão mais tema, nem para os potenciais estudantes, nem para as famílias que olharão apenas em direcção às novas alternativas, universidades com promessas de sucesso e dinamismo.  Também ninguém irá questionar o seu financiamento já que se as velhas universidades não funcionam eficientemente é natural que não recebam dinheiro e se invista nas novas estruturas supostamente eficientes.  Qualque país precisa de boas universidades e o seu financiamento nunca é socialmente questionado.  Mais depressa se continuarão a exigir resultados e a contabilizar despesas nas velhas universidades.
Pergunta-se então, como poderá Portugal aproveitar da discussão sobre as Universidades de Elite na Alemanha?   E se o primeiro ministro português se lembrasse de anunciar a mesma coisa em Portugal.  Se a ministra resolve copiar a ideia?
Jürgen Kluge chefe da Mckinsey alemã dizia, numa entrevista ao Jornal die Zeit, de 15 de Janeiro de 2004, que só o reforço do ensino e a formação podem gerar crescimento económico, já que ?a inovação chega ao Mundo através do saber/conhecimento e isso está nas cabeças?.  Categórico, afirmou: ?Em muitos campos só conta o desempenho de topo e o segundo já é um perdedor!?, referindo-se à investigação científica.
Detlef Müller-Böling, director do Centro para o Desenvolvimento do Ensino Superior na Alemanha (CHE), ele próprio anteriormente professor universitário, numa entrevista à revista Stern também de Janeiro passado, dizia não achar absolutamente necessária a criação de Universidades de Elite na Alemanha.  Prioritária para Müller-Böling é a competitividade entre as Universidades.  As Universidades é que têm de conquistar o estatuto de ?Elite?.  Basicamente Müller-Böling aponta uma estratégia de flexibilização.  Cada universidade deveria poder escolher os seus alunos, como nas universidades americanas, os ratios alunos/docentes deveriam acabar imediatamente e cada universidade deveria estabelecer os seus critérios. Müller-Böling é a favor das propinas embora não as que estão a ser introduzidas nalgumas universidades alemãs.  Ao contrário de Kluge, que critica por tomar os USA como exemplo perfeito a seguir, Müller-Böling pensa que as universidades alemãs não estão na situação catastrófica que muitos descrevem, antes pelo contrário, têm muitos pontos positivos.  Mantêm porém uma filosofia de equidade e critérios de igualdade que impedem uma concorrência necessária e positiva.  Nos USA, como a concorrência é maior, o leque da qualidade das universidades é mais aberto e da mesma forma que poderá haver algumas muito melhores que as alemãs, há um enome conjunto significativamente pior.  Mesmo assim, Müller-Böling é criticado também por todos, estudantes e professores, segundo os quais pretende gerir as universidades como empresas.
É provável que nunca venham a concretizar-se as Universidades de Elite na Alemanha, projecto cada vez mais criticado por todos.  Na primeira página do die Zeit de 15 de Janeiro dizia-se. ?O Governo não quer curar a doença (das universidades) mas sim criar um conjunto de bonitos Wellness-Center sob a forma de Universidades de Elite, como Stanford?. Isto significa que a ideia das Universidades de Elite em si mesma tem muito pouco a ver com a real resolução dos problemas das universidades.  A verdade é que nos obriga a reflectir sobre o significado da competitividade e da excelência nas universidades e a reflectir sobre o futuro, a construir visões e a definir estratégias a médio prazo.  As universidades clássicas, antigas, em Portugal, como na Alemanha e no resto da Europa, mantiveram até muito tarde uma rigidez que lhes pode trazer alguma incapacidade de reestruturação no futuro.  Pelo contrário, as universidades novas, aí se incluindo as privadas e alguns novos institutos, públicos ou privados, sempre foram obrigados a encontrar estratégias alternativas de crescimento e eficiência técnica e económica que lhes assegurassem a sobrevivência.  É precisamente aí que vamos encontrar alguns dos esquemas mais inovadores, quer ao nível de modelos de ensino, quer ao nível de cursos ou parcerias e, actualmente, inserção em redes transnacionais.  A título de exemplo veja-se a corrida aos doutoramentos, por parte dos institutos superiores privados portugueses em parceria com universidades estrangeiras, na maior parte dos casos da vizinha Espanha, a quem as Universidades clássicas do Estado nunca reconheceram potencialidades para desenvolver uma cooperação interessante.
A rigidez das Universidades clássicas portuguesas manifesta-se a vários níveis, na sua estruturação hierárquica, na definição das suas áreas de ensino e investigação, na articulação com as respectivas regiões, com as empresas, enfim, com as instituições em geral.  Cada vez mais tudo depende exclusivamente dos contactos pessoais, das relações de confiança entre pessoas, conhecidos, amigos, das redes sociais em geral.  Provavelmente será a partir dos projectos desenvolvidos pela acção dessas redes que se poderá esperar alguma flexibilidade e inovação nas universidades e novas formas de organizar a investigação no futuro.  Também as pessoas acabaram por fazer os seus by-passes às teias rígidas da instituição.  Existem muitos exemplos positivos de como, por estes caminhos das redes informais de conhecimento e confiança se têm ultrapassado estrangulamentos graves, sem esperar pelas mudanças profundas na governança das universidades clássicas que a realidade tem mostrado cada vez com mais clareza serem urgentes. 
De que falamos afinal, quando falamos de competitividade da Universidade? Que estratégias estamos a desenvolver para nos reconverter em Universidades de Elite? Do que conheço, e infelizmente, conheço exemplos pouco felizes da UP, tenho a sensação de que nos ensarilhamos demasiado com questões de ratios e falta de verbas, esquecendo-nos de olhar um pouco para cima e ver quem nos poderá estar a fazer um by-pass.  Nos últimos tempos, a par das propinas, houve uma clara corrida aos cursos de pós-graduação, como forma de financiamento das universidades.  Esta poderá não ser a estratégia adequada, sobretudo face à concorrência das universidades e institutos privados, melhor colocados para o fazerem, já que isso implica quase exclusivamente dispor de professores, não necessariamente apoiados por uma rectaguarda de investigação. A curto prazo, no próximo Quadro Comunitário de Apoio, tudo indica que as verbas para a investigação serão reforçadas.  Deveríamos assim concentrar-nos acima de tudo no reforço da componente de investigação, nas nossas universidades, preparando-nos para responder aos desafios que se avizinham.  Em suma dever-nos-íamos concentrar mais nas receitas que nas despesas.  E mesmo sem esperar pelo aumento da dotação orçamental do próximo QCA, deveríamos procurar ?vender? as nossas capacidades, numa estratégia voluntarista de marketing, não esperando que venham ter connosco, mas antecipando-nos e afirmando-nos como agentes de inovação junto do mercado seguindo por exemplo as ideias do banqueiro do Porto, Artur Santos Silva, apresentadas num encontro sobre o Guia do Desenvolvimento Estratégico da Universidade do Porto para 2000-2004, aprovado pelo Senado, em 1999 (Silva 2003).
Temos de olhar para dentro, para o que somos e queremos ser e para fora, ancorando-nos nas regiões de forma a servirmos de factores de crescimento e desenvolvimento regional.  Temos de conquistar o estatuto de elite não só reforçando as nossas componentes de investigação e inovação mas convertendo-nos em pilares da dinamização socioeconómica das regiões onde nos inserimos. E para começar, temos de definir a nossa estrutura interna (o nosso conceito de elite, de excelência) ao nível dos cursos (das licenciaturas), das Faculdades, de baixo para cima, não nos deixando tornar nos meros executores de orçamentos recebidos de cima, do Ministério, via topo da hierarquia da Universidade.
Volto à FLUP, a minha casa e aos meus alunos.  Feia, suja, triste, muito triste, muito degradada.  A animação e o ruído dos estudantes não é suficiente para nos fazer esquecer o pouco que lhes damos e o muito a que tinham direito.  Volto com o coração partido, cheia de saudades de Bayreuth.

Artigos citados:
- Der Spiegel Nr.3/12.01.04 (Título do Número: Die teure Billig-Uni. Sanierung durch Studiengebühren?)
- Evers, Marco (2004). Kampf um kluge Köpfe. Der Spiegel Nr.3/12.01.04 p.46-47.
Graham, Stephen; Marvin, Simon (2002) Splintering Urbanism. Networked infraestrutures, technological mobilities and the urban condition. London: Routledge.
- Grill, Markus; Achneyink, Doris (2004) ?Wir sind besser als wie jammern? Warum deutsche Unis gut sind und woran es ihnen dennoch mangelt. Gespräch mit dem Hochschulexperten Müller-Böling über Elite und Geld. Stern 4/2004. p.58-59.
- Joerges, Hans-Ulrich (2003) Lest Marx, Genossen! Deutschlands Universitaeten schliddern in die Katastrophe ? doch die SPD sperrt sich gegen Studiengebuehren.  Der Klassiker der Linken war Klueger. Stern. 49/2003.pag.64.
- JUP Jornal da Academia do Porto Ano XVII Março 04 (Título do Número: Pensar e Agir sobre o Porto)
- Koch, Julia; Thimm, Katja(2004) Geist gegen Gebäühr. Der Spiegel Nr.3/12.01.04. p.36-50
- Potenzial im Kopf. Nur mehr Bildung kann Wachstum erzeugen, sagt Juergen Kluge. Die Zeit.  5 de Janeiro de 2004. (Entrevista de Uwe Jean Heuser a Juergen Kluge)
- Reding, Viviane (2004) Educação e formação: uma nova ambição para a Europa. Público 10 Março 2004. p.5 (Viviane Reding é Comissária Europeia responsável pela Educação e Cultura)
- Silva, Artur Santos (2003). Estratégia e Sistema de Governo das Universidades. Boletim da UP.Ano XI, nº 36.p.23
- UNICUM CAMPUS 22. Jahrgang nr.1. Januar 2004 (Título do Número: Apokalypse Now: Was jetzt auf Sutierende zukommt)


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 136
Ano 13, Julho 2004

Autoria:

Madalena Pires da Fonseca
Faculdade de Letras da Univ. do Porto, FLUP
Madalena Pires da Fonseca
Faculdade de Letras da Univ. do Porto, FLUP

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