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Associações de pais ou para pais?

Pais e associações de pais (AP) constituem actores sociais distintos e torna-se tão pertinente analisar a interacção, por exemplo, entre uma determinada AP de uma escola e o respectivo corpo docente, como entre essa mesma AP e o grupo de pais dessa escola.

Nos meus artigos anteriores escrevi aqui sobre diferentes protagonistas da cena educativa: alunos, professores, pais e pais-professores. Aproveito agora este espaço para tecer algumas considerações sobre um outro actor social: as associações de pais (APs).
Em primeiro lugar gostaria de sublinhar que entendo as APs como um actor social de ?corpo? inteiro, logo com interesses específicos e uma correspondente lógica de actuação própria. Deste ponto de vista, pais e associações de pais constituem actores sociais distintos e torna-se tão pertinente analisar a interacção, por exemplo, entre uma determinada AP de uma escola e o respectivo corpo docente, como entre essa mesma AP e o grupo de pais dessa escola.
A acção de muitas APs tem vindo a ser mediatizada, sobretudo quando promovem acções que podem render alguma espectacularidade televisiva. Raramente, porém, têm sido objecto de uma investigação digna desse nome. Por outras palavras, raramente têm sido problematizadas. E, no entanto, várias questões podem ser equacionadas a seu propósito: o que são associações de pais? Por que existem? Para quem? Como desempenham o seu papel? Como são elas encaradas pelos outros actores sociais, nomeadamente os próprios pais, mas também os docentes e os discentes? E como encaram elas os outros actores? Que prioridades lhes conferem? Que formação têm os seus elementos? E os que com elas interagem? Estas são algumas das questões-bússola que poderiam despoletar um interessante programa de pesquisa. Na impossibilidade de encontrar respostas para elas neste espaço, aqui deixo algumas notas soltas.
Em primeiro lugar encaro as APs como organizações que podem desempenhar um importante papel cívico. Encaro-as numa perspectiva de potencial promoção da cidadania, de possível forma de participação dos cidadãos na coisa pública. Como um acto de exercício quotidiano de uma concepção não burocrática de democracia. Como uma forma de aprofundamento da democracia. Como uma via de articulação entre democracia representativa e democracia participativa. Como um meio de instituir uma relação não passiva e não autoritária entre o Estado e o cidadão. Como uma dimensão de actuação colectiva. Como enformando uma certa concepção de sociedade. Em suma, como um acto político.
Esta perspectiva e este leque de possibilidades não significa que eles se realizem. Sabemos que a realidade social é fértil em efeitos perversos. Considero que há, desde logo, uma confusão, de origem semântica. É que falar em associações de pais não significa que elas efectivamente desenvolvam actividades para os pais. Por outras palavras, não significa que os representem. Há uma diferença, que se pode revelar incomensurável, entre o ?de? e o ?para?. O que nos diz o termo ?associação de pais?? Apenas que estamos perante um grupo organizado de pais. Que pais? Pressupõe-se que os pais dos alunos daquela escola (ou agrupamento de escolas)(1). E os estatutos é normalmente para este tipo de definição de membro de AP que apontam. Daí a se pressupor que elas representam automaticamente o restante grupo de pais vai um passo que, não raras vezes, se revela ser de gigante.
Num estudo etnográfico a que já tenho feito referência(2) procurei analisar, entre outros aspectos, qual o papel desempenhado pelas associações de pais em duas das escolas onde conduzi a minha pesquisa (na terceira escola só no final do trabalho de campo é que se constituiu uma AP). Aí constatei que, num dos casos, a AP só desempenhava tarefas directamente para o corpo docente e a pedido deste, nunca representando os pais, mesmo aquando da emergência de problemas. Pelo contrário, no outro caso deparei-me com uma AP claramente autonomizada do corpo docente e que desenvolvia todo um conjunto de actividades para as crianças, para os pais e para as professoras, mas com uma prioridade de acordo com a ordenação aqui descrita. Estamos perante um daqueles casos em que não se pode tomar a nuvem por Juno. Espero poder desenvolver esta e outras ideias no próximo artigo.

Notas:
(1) Curiosamente os franceses usam a expressão completa: ?parents d?élèves?.
(2) Silva, Pedro (2003) Escola-Família, Uma Relação Armadilhada - Interculturalidade e Relações de Poder, Porto: Edições Afrontamento.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 136
Ano 13, Julho 2004

Autoria:

Pedro Silva
Escola Superior de Educação de Leiria
Pedro Silva
Escola Superior de Educação de Leiria

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