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As universidades e o governo das empresas

GESTÃO E ADMINISTRAÇÃO

Critica-se o desfasamento do ensino, o seu carácter teórico e o desperdício de meios e de bens. Por este diapasão alinham prontamente tanto alguns donos de empresas como políticos e até professores-gestores, todos preocupados em apresentarem uma imagem de abertura à inovação e de empenhamento social em ruptura com o mundo fóssil de que curiosamente emergiram?

São hoje em dia frequentes as propostas no sentido de as universidades repartirem o poder inerente à sua gestão e administração com parceiros da sociedade civil, nomeadamente com representantes do universo empresarial, no sentido de se aumentar a sua eficácia. Eficácia nomeadamente em termos de racionalização dos recursos e de adaptação à realidade económica e social do país.
Critica-se, então, entre outros males, o desfasamento do ensino, o seu carácter teórico e o desperdício de meios e de bens. Por este diapasão alinham prontamente tanto alguns donos de empresas como políticos e até professores-gestores, todos preocupados em apresentarem uma imagem de abertura à inovação e de empenhamento social em ruptura com o mundo fóssil de que curiosamente emergiram ... As medidas ensaiadas pululam quase ao mesmo ritmo que se gastam as ideias e se estafam os modelos apressadamente importados do mundo anglo-saxónico, tendo-se começado por uma tímida participação nos senados até se acabar numa autêntica orgia de folclore inovador com o projecto peregrino de entrega das reitorias a personalidades externas ao mundo universitário.
Claro que as universidades só têm a lucrar com uma efectiva e sistemática abertura ao meio que lhes permita organicamente confrontar os seus modos de funcionamento e pôr à prova aqueles que são os produtos da sua acção. É evidente que a sociedade no seu conjunto tem direito a que as universidades lhe prestem contas ou não fossem elas emanações dessa mesma sociedade. Não há também mais lugar para a persistência de feudos corporativos numa época que a todos exige responsabilidade e solidariedade institucional. Porém, há que não fazer destes princípios estandartes de interesses mesquinhos ou oportunistas e muito menos utilizá-los como utensílios de catarses individuais ou colectivas.
Como sempre, o nosso país corre aqui rapidamente o risco de se tornar a vanguarda de um frenesim legislativo completamente desajustado da realidade, ainda que em nome desta. Ao mesmo tempo, tanta abertura redunda num paradoxal fechamento à crítica que é escorraçada por representar um inconsciente que se quer apagar a toda a força. Novo poder, novos poderes ou, talvez melhor, um poder reciclado e rapidamente assaltado pelos lobbies que, esses sim, nunca mudam...
É preciso então serenar os ânimos, perder a timidez e perguntar:
- Como demonstrar que ensino teórico é sinónimo de ensino retrógrado?
- Quais as fronteiras entre investigação teórica e investigação prática?
- Desde quando é que as interpelações e as indagações teóricas deixaram de representar um desafio precisamente à acomodação das práticas?
- Num país que cultiva um atávico primitivismo económico, onde estão os nossos grandes gestores?
- Quantas das nossas empresas são competitivas em termos ibéricos, europeus e mundiais?
- Que empresas não dependem sistematicamente mais das benesses do Estado do que do seu desempenho autónomo?
- Que riscos vamos correr ao desventrar as nossas universidades?
Apesar de tudo, as universidades portuguesas têm dado um bom exemplo de rigor e sabedoria ao gerirem com parcos recursos a enorme complexidade humana que as integra. Se olharmos para o desinvestimento que campeia em muitas das empresas, para o despesismo dos seus responsáveis, para a sua falta de ambição e de capacidade inovadora, para a sua desorganização, para a sua ausência de imagem, para a sua pequenez ou ainda para o seu carácter parasitário, ficamos no mínimo assustados com o que nos pode entrar pela porta dentro. Não, obrigado, apetece-nos dizer!
Claro que nem todos os empresários são assim. Mas os melhores não têm geralmente tempo para governar a casa dos outros e, como sempre, nestas alturas, a aristocracia decadente é ociosa e está disponível.
Propomos que as empresas sejam avaliadas, sobretudo antes de falirem e provocarem graves danos sociais. Certamente que uma das consequências seria a necessidade de, em muitos casos, se reciclarem aqueles que as administram e que as gerem, proporcionando-lhes uma coerente cultura empresarial, a qual começa, quer se queira, quer não, por uma sólida cultura geral. Cultura que, para ser prática, tem de ser profundamente teórica.
Só assim, afinal, se poderiam passar a compreender e a cruzar as identidades, as vocações e as finalidades das universidades e das empresas para um real benefício destas... e de nós todos! É que se a lógica do que é público pode ser privada, é verdade também que há uma razão pública em tudo quanto é privado. Trata-se, no fim de contas, de uma questão de cultura da qual, por isso mesmo, nem as universidades nem os universitários se devem demitir ... mesmo que percam momentaneamente o combóio do poder!


  
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Edição:

N.º 135
Ano 13, Junho 2004

Autoria:

Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto
Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto

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