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?Foi você que descobriu o abandono escolar??

É esta ?sociedade do conhecimento?, ?sociedade de aprendizagem?, ?sociedade cognitiva?, ?sociedade da informação?, etc., que torna a colocar a instituição educacional, agora em processo de reconfiguração, no centro do mapa dos debates políticos.

Desde sempre a educação, dada a sua proximidade em relação às pessoas, aos diferentes contextos da vida e ao desenvolvimento das sociedades, como processo de formação dos indivíduos foi objecto de preocupação de todos. A legitimidade desta preocupação não é discutível dado que o investimento neste processo é percepcionada como potenciador das oportunidades na vida. Hoje em dia, a importância da educação surge como ainda maior evidência, legitimada pela assunção da centralidade do conhecimento nos processos de desenvolvimento económico e social dos estados e das nações. É esta ?sociedade do conhecimento?, ?sociedade de aprendizagem?, ?sociedade cognitiva?, ?sociedade da informação?, etc., que torna a colocar a instituição educacional, agora em processo de reconfiguração, no centro do mapa dos debates políticos. O abandono escolar, por exemplo, e devido a este contexto, deixou de ser uma preocupação e objecto de investigação das Ciências da Educação para se tornar preocupação e objecto político de uma grande panóplia de actores sociais, desde os representantes das associações empresariais até ao ministro da economia, passando por todos os tipos de engenheiros mais ou menos especializados em políticas sectoriais.
Nesta ampliação do leque de actores sociais que elegeram a educação como foco das suas atenções, podemos identificar um duplo fenómeno: o primeiro é aquele através do qual o reconhecimento da centralidade da educação e do conhecimento para o desenvolvimento individual e social é suficiente para tornar esses actores em especialistas em educação; o segundo é o reconhecimento do facto de que o conhecimento, e a sua circulação sobre a forma de rede, é verdadeiramente estruturante da cidadania e das identidades que aparentemente estão a emergir.
No que diz respeito ao primeiro fenómeno, é com verdadeiro espanto que assistimos nos diferentes meios de comunicação social à presença de ?especialistas? em educação como jornalistas, economistas, gestores, corretores, empresários, etc. Aí aproveitam para expender as suas visões e opiniões acerca dos desafios, dos significados, das prioridades que se colocam à educação. O nosso espanto não é relativo ao facto de eles/elas terem opiniões e visões, o que nos espanta é a total ausência daqueles que  mais tempo, esforço e massa cinzenta investem na tentativa de compreender os fenómenos educativos e escolares. Efectivamente, em todos os debates, e apesar de um investimento considerável da Fundação para Ciência e Tecnologia no financiamento das unidades de investigação e de projectos e bolsas de investigação na área das Ciências da Educação, é notória a ausência de pedagogos, de historiadores e sociólogos da educação, de psicólogos da educação e especialistas em avaliação e teoria curricular, etc. Não é este o lugar para aprofundar as razões desta ausência, nem o lugar para desmontar os argumentos dos poucos ?pedagogos de serviço? em alguns mass media como donos da verdade sobre a educação, mas não podemos deixar de chamar a atenção para a possibilidade desta não presença poder esconder precisamente um pensamento único sobre a relação entre educação e desenvolvimento, quer económico, quer individual.
Na verdade, o segundo fenómeno, a centralidade do conhecimento nas sociedades contemporâneas é susceptível de ser lida e interpretada politicamente de uma forma plural. O conhecimento de que os ?especialistas? nos falam como estruturador da sociedade é um conhecimento performativo, isto é, um conhecimento que traduzido em competências apetrecha os indivíduos para lidar com situações flexíveis de comunicação e de fluxos de informação. Neste caso, o conhecimento ?passa? pelos indivíduos como o dinheiro, como diria o sociólogo da educação Basil Bernstein, passa pelos bolsos, isto é, sem produzir transformações. Todavia, e sem negar a relevância deste tipo de conhecimento nos actuais contextos de trabalho, o que parece ser específico da educação e dos contextos educativos é que essas competências cognitivas estejam também ligadas ao processo da formação dos indivíduos. Já o dissemos nesta coluna: se é verdade que performance sem pedagogia é um vazio, também é verdade que sem pedagogia não há performance.
Há prateleiras repletas de estudos recentes, desenvolvidos sobretudo nos últimos 20 anos, sobre o abandono escolar que são ostensivamente ignorados nesta actual ânsia em torno da questão. O que é que move quem só agora ?descobriu? que existe abandono escolar em Portugal?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 135
Ano 13, Junho 2004

Autoria:

António M. Magalhães
Univ. do Porto
Stephen R. Stoer
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. do Porto
António M. Magalhães
Univ. do Porto
Stephen R. Stoer
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. do Porto

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