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O SPN de Bragança, os ciganos, eu próprio

Poder-me-ia ter deslocado a Bragança. É verdade, embora com o tempo que (não) me sobra no lufa-lufa do muito trabalho parlamentar, ficaria politicamente paralisado e incapacitado de emitir uma posição pública de cada vez que procurasse comprovar, in loco, a verdade dos factos e/ou das afirmações.

Ao abordar, nesta coluna, a delicada questão dos «ciganos de Bragança», sabia que não estava a tocar em tema fácil. De alguma forma, encontrava-me consciente das limitações de informação que possuía e do melindre pessoal e político envolvidos. De um ponto de vista estritamente particular, nada teria a ganhar em interpelar colegas e camaradas de sindicato, a quem me ligarão sempre, mesmo quando em situação de discordância, laços de fraternidade. Todavia, a questão tinha assumido dimensões que me obrigaram a uma tomada de posição. Em tudo na vida ? mas de forma nítida em questões potencialmente polémicas e «fracturantes»- , o silêncio e o não-dito são, eles próprios, uma posição. E recusei, ao tomar partido, essa posição. Correndo riscos, como se provou.
Comecemos por Amílcar A., que, na penúltima edição deste jornal, me acusava de falar de cátedra. Ou «do alto da burra». É uma atoarda fácil e populista, carecendo de argumentário. Sendo eu deputado, colocar-me no pedestal das elites arrogantes e desconhecedora do «terreno» ou da «verdadeira realidade», cala fundo na ideia geral ( parcialmente fundada, porque existe, no nosso país, uma infeliz tradição de afastamento dos eleitos face às dinâmicas cidadãs, mas também parcialmente falsa, porque assente no pressuposto de uma homogeneidade que não existe ? os políticos não são todos iguais) de desprezo pelas aspirações das populações.
O texto do SPN de Bragança é de outro teor. Desde logo, leva-me a reconhecer que muito teria ganho, de facto, em solicitar, previamente, informação. É um hábito perverso, embora frequente, o de cedermos às pressões do imediato e aos ritmos algo frenéticos que tantas vezes nos comandam em vez de sermos nós a controlá-los...
Convém referir, no entanto, que uma posição pública, coerente, sistemática e convincente, como a que o SPN de Bragança agora produziu, peca por tardia. Como referem os autores do texto, a questão esteve nos holofotes da agenda mediática. E esta, mesmo sendo uma construção e representação da realidade (mediada por vários «filtros», olhares e interesses), é uma instância de consagração do real. O que aparece é. Mesmo falseando a realidade real, a realidade mediática é, em crescendo, mais real do que o real....
Poder-me-ia ter deslocado a Bragança. É verdade, embora com o tempo que (não) me sobra no lufa-lufa do muito trabalho parlamentar, ficaria politicamente paralisado e incapacitado de emitir uma posição pública de cada vez que procurasse comprovar, in loco, a verdade dos factos e/ou das afirmações. Não alimento ? não posso alimentar ? a pretensão de, enquanto político, proceder à verificação empírica dos acontecimentos. Enquanto cientista social a isso seria obrigado, mas como deputado recuso-me a entrar em jogos de dupla personalidade ou esquizofrenia.
É claro que o convite para o debate está, desde já, aceite. Com redobrado entusiasmo, aliás. Tenho a certeza de que irei encontrar interlocutores honestos, social e politicamente empenhados na mudança das realidades educativas. Mas mantenho que a imagem pública do SPN Bragança saiu prejudicada em todo o processo. Houve declarações, várias, que surgiram infelizes, na sua forma publicada, e de acordo com a minha modesta opinião. Fruto de descontextualizações abusivas, mutilações ou más interpretações do mensageiro? É bem possível. Mas são esses os fragmentos que nos chegam e nos marcam Além do mais, nunca encontrei, em tais declarações, nem no texto de resposta, uma alternativa para aqueles jovens. Se a sua entrada na escola iria desestruturar o projecto educativo da instituição, onde colocá-los, então? Razões acrescidas, pois, para o debate!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 133
Ano 13, Abril 2004

Autoria:

João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.
João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.

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