Para nuestros hermanos e para nós. Escrevo ao correr da pena. Da pena a tingir a folha branca de preto, da pena a tingir o meu coração de luto. Hoje não consigo acudir aos meus santos padroeiros habituais, como Eduardo Sá, Melanie Klein, François Dolto, Émile Durkheim, Marcel Mauss, Daniel Sampaio, Karl Marx, Max Weber e outros que aparecem nos meus textos. Os autores que me acodem são muitos e estão todos abalados por uma terrível estupidez humana, denominada ambição. Ambição de querer fazer mais dinheiro, com a desculpa de governar, de proteger os seus fãs no sentido de lhes entregar empreitadas para usarem o trabalho como investimento, esses financistas que governam a nossa vida e só por casualidade, se lembram de nós, o povo que produz, que tem onde estar a horas certas, que tem de se levantar todos os dias, queira ou não, para o seu trabalho, sem um minuto de atraso que lhe é logo retirado do ordenado. Ordenado que Portugal usa como metáfora de salário. Ordenado, porque a economia ordena a nossa vida, queiramos ou não, sendo o salário é o seu resultado. Esse salário que dá lucro ao proprietário, o corregedor do trabalho, o ordenador da vida intra familiar. Pois é ele o ordenador dos nossos afectos, como diz o ditado: em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. Só que os ditados são frases que revelam a realidade. Essa realidade que é a nossa dependência do proprietário, da fonte de trabalho, da nossa casa, dos nossos impostos, que nos saem cada vez mais caros, tal como os bens que consumimos porque precisamos de nos vestir, de comer, de nos distrair, de sair com os amigos, de ter um Domingo em paz com calma para recuperar as forças gastas durante a semana no esforço de servir. Servir, sempre servir, ao senhor dos anéis de esmeralda e fios de ouro, de alfinete de pérola na gravata, com voz alta e passos marcados pelos saltos duros que confirmam que o seu andar permite o barulho, como uma vozinha a dizer: atenção, que cá vou eu, inclinai-vos, meus operários, cumprimentai-me, meus empregados, dêem-me conta dos vossos inventos, meus técnicos, calem a boca, que falo eu, e tu não dês direito a dizer nada enquanto eu não definir as regras. Como é possível, por amor de Deus, deixar acontecer um acidente tão anunciado, consequência de se ter entrado com armas na casa dos outros, morto os seus filhos, violado as suas mulheres como pilhagem de guerra, rapinado os tesouros da Antiguidade, para roubar o ouro negro qual sangue da terra da terra, que dá riqueza a quem detém nas mãos o poder quais heróis do mundo que soberanamente, pensam convencer. Parlamentos com séculos na prática de legislar dentro de obrigação comum de se ser eleito e representante de um povo que confia neles porque os escolheu para representar, na sua pessoa, a Soberania e, no seu conjunto, a Soberania da Nação. Assembleias desenvolvidas na prática da República em que o Presidente preside mas não governa, é a minha expressão de humanidade perante esses outros Estados, os nossos pares. Como pode um grupo, obrigado pelo voto e na confiança neles depositada ? permitir que aconteça a morte espancada dessa menina de cinco meses, bem como de quarenta vizinhos que entre risos e piadas iam todos juntos ganharem o pão no centro de cidade mais central do denominado Velho Continente? Como deixaram matar tanta gente se sabiam o que ia acontecer? Para de seguida entregarem uma versão conveniente mas nada adequada, feitores da morte de tantos? Dos aferidores do coração de milhões. Hoje estamos de luto porque a Humanidade treme ao pensar que seremos nós os próximos. Dizem-nos que vamos pagar o preço da guerra já começada, dizem-nos, para nos defendermos do terrorismo. Do terrorismo fundamentalista? Mas, e nós? Esse terrorismo de Estado que envia tropas bem armadas para aniquilar a um povo provadamente sem armas, que até as Nações Unidas falaram que ali não entrava nada nem ninguém. Estava provada a pobreza, não apenas na falta de trabalho, bem como a inexistência de armas. Que levou um afamado cientista ? que quis parar a carnificina e revelou à comunicação social a fragilidade da nação atacada ? a matar-se por ter sido pressionado. Esse que hoje choramos mas não conseguimos ressuscitar por não sermos deuses nem omnipotentes, complexo psicótico dos que mandam na Europa. Como puderam então, os que sabiam o que está hoje claramente demonstrado, nada fazer? Havia eleições e queriam ganhar a todo custo? Continuaram a atribuir empreitadas aos seus apoiantes que investem no País destroçado e rapinado, apropriaram-se do seu pão preto e por isso, quantas crianças sem pais, tios, irmãos? Qual, o povo que vai ser atacado outra vez? Para que queremos a Soberania, demonstrada na eleição de um largo número de pessoas para nos governar, mas divididas pela diferente interpretação de uma verdade que apenas é real para os senhores dos anéis, do lucro, da mais valia? A de Atocha, a Del Pozo, a de Alcalá de Henares, é uma mais valia que parecia ter acabado com a Revolução de 1789, precedida pela definição da Lei e o seu uso, os poderes do Estado, e a criação de uma mente económica que calcula antes de gastar ou investir, de uma racionalidade básica na gestão de pessoas e bens, tão distante de Teologia que governou o Mundo durante anos e que continua a comandar as ideias dos que permitiram a morte dos que hoje choramos e dos que amanhã, vamos ter que, infelizmente, chorar também, como tem sido prometido. Terrorismo? E o do Estado? Fundamentalismo? E o dos romanos que se denominam católicos ? o mesmo é dizer, Universal? Será que quem impede a minha posse de mais valia, passa a ser o cobarde que ataca à socapa das distracções dos nossos órgãos de Soberania, entretidos em procurar onde investir o valor retirado aos que produzem e são assassinados no minuto em que vão a procura do pão-nosso de cada dia? Não tenho respostas, estou aterrorizado, não sei em quem confiar. Calo e choro, nesta quase canção sem palavras cheia de lágrimas e de mãos que se levantam a pedir PAZ. Porque sem, PAZ, a mim, quem me defende?
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