HOMOSSEXUALIDADEO cotidiano escolar há muito vem sendo palco de reflexão, de resistência/ insistência, dos porquês, para quê, a favor do quê/quem e contra o quê/quem. Para além disso é um espaço aberto aos conflitos - às belas e tensas narrativas. A partir desse lugar na condição de aluno/professor, a questão da sexualidade, alicerçada na sentimentalidade, nas sensações, na fisicalidade, no tempo e no espaço, acompanha minhas interrogações. Venho interessando-me de forma crescente e apaixonada a compreender as estratégias que os professores homossexuais se valem para (re)inventar e ocupar lugares na escola primária.Ao trazer essa temática que apenas anuncia múltiplas possibilidades de (re)leituras tento abrir mão, ainda que temporariamente, do paradigma que nos enquadra e nos classifica em relação ao sexo. Foucault(1) nos ensina que o sexo, tornou-se a razão de tudo. Seguindo essa linha de raciocínio, a escola primária nesse último século vem sendo o lócus ideal para a atuação/profissão feminina. Sendo esse espaço cada vez mais feminino, surgem perguntas: Com que lentes as professoras olham e vêem os professores homossexuais? Quais as máscaras que são postas e retiradas na escola com a chegada desses professores? Considerando vitais essas perguntas, vou percebendo que se faz necessário (re)mexer a infância e seus espaços formativos. Buscar a infância é a tentativa de compreender a formação (in aberto) da identidade. Entender as representações do estar sendo professor na condição de homossexual me faz atrelar parceria com um determinado tempo, para ser possível problematizar os vetores que atravessam essa escolha. Nunca entendi bem ao certo como é que foi produzido se produzindo cotidianamente minha sexualidade, nem muito menos como essa foi tomando forma, fora da fôrma e se estabelecendo, forjando, criando e sendo criada fora do modelo. O que sei é que os meus não-saberes se fizeram segredos de criança, atormentando os meus pensamentos, o meu corpo, os meus desejos, a minha forma camaleônica de ser, de me esconder e às vezes - raras às vezes aparecer. Vivi a infância aprendendo um jogo que não conhecia as regras e nem os adversários, era um jogo de experimentações. Aprendi naquele tempo que algumas coisas que se manifestavam em minha fala, em meus gestos, em minhas escolhas não eram interessantes aos olhos e ouvidos de muitos, principalmente do ?mundo masculino? e nisso, estão também as mulheres de minha vida. Era preciso me esconder para sobreviver na clandestinidade, com o ainda não conhecido, mas que estava latente. Nesta vivência, experimentava-me na arte da luta e da guerra. À medida que ia crescendo, para dentro e para fora, atento ao que era e não era permitido, ia percebendo que o meu ser e o ainda não ser eram objetos de discussões, de interrogações, de críticas e de culpabilizações. Por volta dos meus sete anos de idade, assistindo a uma telenovela em família disse: Como aquele moço da novela é bonito! Como resposta que me fez calar por muito tempo ouvi de meu pai: Homem não acha homem bonito. É pecado homem achar homem bonito. Homem precisa achar mulher bonita e gostar de mulher. Aquela foi a primeira vez que um adulto havia me dito com todas as letras que minha sexualidade não era bem vinda, para além disso, feria as leis de Deus. Meu irmão mais velho, ao mesmo tempo que me protegia de seus amigos insensíveis me impedia de viver algumas das aventuras permitidas aos meninos. Esse protetor, na mesma proporção que me queria como parceiro, me impedia de viver as aventuras do mundo dos meninos por achar que era fraco e delicado. Entre o querer e o proteger, a proteção me confinou ao restrito espaço da casa e ao universo dito feminino. Entre tantas coisas ouvidas na infância não me esqueço das frases cantadas em coro na escola por alguns colegas, que por sinal me incomodava e entristecia. Mulherzinha, mulherzinha, mulherzinha. Não compreendia o lugar da ambigüidade. Como poderia ser mulherzinha se era dotado de todas as características dos outros meninos? Não era menino nem menina! O que na verdade eu era? A escola não enxergava que isso acontecia e se via, não intervia. Talvez a não intervenção da escola se desse ao fato de não querer me expor e se expor. Misturava a esse coro outras formas agressivas de perguntas que ficaram sem respostas: Você é menino ou menina? Sabia que não era menina. Só não sabia ainda que para o que eu era, sou e estou sendo, haviam inventado vários conceitos. Por último, essa sexualidade vem sendo denominada por mim de homossexualidade. Fugindo do sufixo ?ismo?, conotativo de doença, aposto na idéia de que: Ser um homem feminino, não fere o meu lado masculino. Se Deus é menino e menina, sou o masculino e feminino.(Pepeu Gomes)
FOUCAULT: Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber; Rio de Janeiro, Graal. 2003, 15ª ed.
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