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Será possível um "detector de mentiras" cerebral?

É imensa a quantidade de detectores de mentiras e "máquinas da verdade" que, com maior ou menor ênfase comercial, procuram apresentar-se como a solução infalível para muitos crimes aparentemente irresolúveis.

Já não é nova a tentativa de desenvolver técnicas capazes de detectar a mentira e descobrir a verdade de factos relacionados com a investigação de crimes em que as declarações das alegadas testemunhas não se ajustam às afirmações das pessoas acusadas. Uma simples pesquisa em qualquer base de dados bibliográfica ou através de um qualquer motor de busca dos mais utilizados na Internet rapidamente nos permitirá perceber que é imensa a quantidade de detectores de mentiras e "máquinas da verdade" que, com maior ou menor ênfase comercial, procuram apresentar-se como a solução infalível para muitos crimes aparentemente irresolúveis. A mais conhecida dessas técnicas, bastante utilizada em alguns países como os EUA, Israel, Japão e Canadá é o chamado Polígrafo e baseia-se em algumas investigações científicas que, nos finais do séc. XIX e início do séc. XX, utilizavam a medição das respostas fisiológicas do organismo humano como "indicadores" da mentira.[1] A validade desta técnica, porém, apesar de combinar o registo fisiológico com o interrogatório policial, tem sido amplamente questionada uma vez que, entre outras razões, as respostas fisiológicas do sujeito (respostas exógenas) podem ser mentalmente controladas e dificilmente se poderão aceitar, com segurança, como índices psicofisiológicos da verdade ou da mentira presentes nas profundezas da mente humana.
Mais recentemente, no entanto, alguns autores têm recorrido ao registo psicofisiológico da actividade cerebral através de técnicas como os potenciais evocados endógenos, a ressonância magnética funcional (fRMN) ou a tomografia por emissão de positrões (PET) procurando mostrar que estas poderão ser técnicas mais eficazes e alternativas para se avaliar se de facto o sujeito possui na sua memória os factos que diz ter presenciado ou nega ter realizado ou se procura iludir os outros com argumentos astuciosamente articulados.
Nos anos 90, por exemplo, Rosenfeld e colegas[2] realizaram várias experiências em que se confrontavam sujeitos acusados com um conjunto de frases descritivas de actos antisociais de que eles eram reconhecidamente inocentes mais uma frase que descrevia um acto de que eles eram reconhecidamente culpados e um estímulo que exigia a resposta de carregar num botão sempre que aparecia, a fim de assegurar a atenção do sujeito, reconstituindo assim um análogo do paradigma usado para o registo da componente P300 (de que falámos em artigo anterior). Nestas como numa outra experiência posterior, em que os mesmos investigadores[3] procuraram verificar a eficácia da P300 na detecção de amnésias simuladas, foram várias (embora não conclusivas) as evidências de que o sujeito não pode controlar o cérebro perante a confrontação de um facto reconhecido dado que é praticamente automática a detecção de uma actividade eléctrica específica sempre que é cerebralmente detectado um estímulo esperado.
Estes achados, todavia, foram suficientes para que outros investigadores retomassem o tema e actualmente há mesmo um deles, o Professor Dr. Lawrence A. Farwell[4] que criou e patenteou um sistema de registo psicofisiológico que lhe permitiu ser seleccionado pela Revista Time como um dos 100 cientistas da "The Next Wave", uma elite de cientistas inovadores que por vezes se designam como os "Einsteins do séc. XXI".
Poderá o "MERMER" (memory and encoding related multifaceted electroencephalographic response), assim se chama o seu invento, também designado por "brain fingerprinting testing", ser considerado uma espécie de "impressões digitais no cérebro" ?
Não é aqui nem agora o local ou o momento de se discutir tal possibilidade mas, mesmo que seja apenas para satisfazer a sua curiosidade, numa época de mediáticos julgamentos na praça pública, convida-se o leitor a ver mais sobre o assunto nas páginas da Internet em que este autor apresenta o seu trabalho (http://www.brainwavescience.com/ExecutiveSummary.php)

[1] Uma interessante e exaustiva descrição das bases científicas desta técnica poderá encontrar-se no livro  "The Polygraph and lie detection", publicado online em http://books.nap.edu/books/0309084369/html/index.html.

[2] Rosenfeld, J. P., Angell, A., Johnson, M. e Qian, J. H. (1991). An ERP-based, control-question lie detector analog: algorithms for discriminating effects within individuals' average waveforms. Psychophysiology, 28(3), 319-335; Johnson, M. M. and J. P. Rosenfeld (1992). "Oddball-evoked P300-based method of deception detection in the laboratory. II: Utilization of non-selective activation of relevant knowledge." Int J Psychophysiol 12(3): 289-306.

[3] Rosenfeld, J. P., A. M. Reinhart, et al. (1998). "P300 correlates of simulated malingered amnesia in a matching-to-sample task: topographic analyses of deception versus truthtelling responses." Int J Psychophysiol 28(3): 233-47.

[4] Farwell, L. A. and S. S. Smith (2001). "Using brain MERMER testing to detect knowledge despite efforts to conceal." J Forensic Sci 46(1): 135-43.


  
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Edição:

N.º 132
Ano 13, Março 2004

Autoria:

Celso Oliveira
Escola José Fragateiro, Ovar
Celso Oliveira
Escola José Fragateiro, Ovar

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