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Educação para o desenvolvimento rural

O olhar particular e sensível sobre as infra-estruturas educativas nas zonas rurais são tema de reflexões e debates profundos há mais de vinte anos. No seu conjunto, nada mais demonstram do que a tomada de consciência e preocupação pelas suas problemáticas e realidades, num meio também afectado pela encoberta falta de alternativas para assegurar a sua incorporação no desenvolvimento global da sociedade e promover as mudanças necessárias face aos inúmeros problemas que debilitam estas zonas.
Os espaços rurais têm sido caracterizados pelas baixas densidades populacionais, pela dependência aos recursos naturais e a suas ligação à natureza e outras questões que se enquadram na desintegração económica, social, cultural e ambiental. Hoje, não é possível entender a educação à margem destas condições. Como estratégia para a inovação e como acção transformadora da realidade, à educação aponta-se o mesmo destino do desenvolvimento das comunidades rurais na medida em que, para o desenvolvimento, estas devem também estar preparadas para uma mudança em conformidade, ao ponto de reconhecer as inquietudes reais, debater e argumentar num processo de aprendizagem dialéctica para a qual a educação deve reforçar e promover as necessárias capacidades colectivas para pensar e actuar em termos de projecto, bem como as competências e atitudes individuais imprescindíveis para os agentes locais de mudança.
Seja num meio rural ou urbano, as realidades das escolas devem ser coerentes com os projectos de formar comunidades. Martín de la Calle (1993) questiona se é possível que exista uma escola especificamente rural ou um modelo urbano, ainda que em tamanho reduzido. Segundo esta autora, e desde o ponto de vista dos objectivos da escola rural, observam-se duas tendências: a escola como forma de viver o campo (preferência em dar aos jovens o sentido de pertença à sua região, de ter as suas próprias raízes, ainda que garantindo-lhes as aprendizagens necessárias em todo o âmbito social) e a escola como oportunidade para o desenvolvimento da criança (necessidade de ensinar às crianças a colaborar com os demais, de impregnar-lhes o sentido de pertencer a um mundo mais amplo, o que não impediria recorrer a métodos que se apoiem no meio rural concreto).
Diante deste dilema, Caride (1999) anota que a diversidade das condições rurais reclama uma grande flexibilidade nas estratégias que se orientem a tomar e executar decisões, admitindo que se há-de partir de realidades rurais também diferenciadas nas suas necessidades e nos seus projectos de futuro (zonas de montanha, espaços em processos de urbanização, etc.). Por seu lado, Ortega (1995) defende uma educação que recupere os conteúdos que respondam às particularidades do ambiente, ou seja, uma educação que questione as omissões do discurso hegemónico em relação às culturas dominadas e se incluam no currículo a cultura popular e as formas de conhecimento não oficiais. Enfim, que afinal, e pelo menos a partir dos inícios deste século, se valorize o interesse pedagógico e social que representa o modelo organizativo das escolas no espaço rural.
Para seguir nestas duas perspectivas essenciais e para que a escola seja integrada na vida e dinâmica comunitária e represente um factor de integração na comunidade, parece ser imprescindível que esteja disposta a reflectir sobre as suas funções neste meio e sobre a pertinência de desenvolver um trabalho de colaboração e de participação efectiva, assim como se os canais de comunicação são suficientes para tal realidade, e ainda sobre muitos outros critérios organizativos e institucionais que fundamentam os processos de escolarização no meio rural.
Mas este projecto, na nossa opinião, ainda carece de algo mais. Por um lado, não restam dúvidas da importância dos factores biológicos e sociais das crianças e dos adultos na sua educação, nem das possibilidades das escolas reforçarem os vínculos sociais e de reconstruir as práticas sociais que desbordam o escolar para a sua integração social e formação geral e a (re) construção de valores de respeito pelo meio ambiente e pela condição humana (o que enfatizam as funções socioculturais da escola); por outro, não podemos esquecer que uma educação em consonância com a vida comunitária vem sendo uma das mais importantes exigências pedagógicas, sociais e políticas desde as últimas décadas, de onde surgiu a utilização de fórmulas organizativas diversas que implicaram inclusive a modificação do desenho do edifício escolar em modalidades de utilização das suas instalações para a extensão da acção educativa, para a integração de serviços educativos e comunitários na escola, entre outras.
Podemos também acrescentar que é do nosso conhecimento que as escolas dos maiores centros tendem a impulsar mais a participação externa para o desenvolvimento conjunto das actividades e as ?pequenas? programam mais actividades de enriquecimento do currículo e centram-nas, frequentemente, dentro do edifício escolar. Nesta últimas, os agentes externos são os principais dinamizadores, ou seja, não se envolvem com os órgãos das escolas e dos Departamentos na programação do Planos. Estes factores organizativos internos das escolas das comunidades mais pequenas (rurais) podem também justificar o desconhecimento do produto cultural comunitário e o seu maior isolamento. Assim, parece evidente que uma das alternativas será escolas rurais, também convertidas em conjuntos integrados capazes de prestar serviços diversificados, coincidindo com a opinião de Martín de la Calle (1993), que o poderão fazer mais as escolas especificamente rurais do que os modelos urbanos.
Para finalizar uma nota breve. A aposta na educação é imprescindível para a formação integral de autênticas comunidades que identificam o seu passado e um futuro digno para todos. Também não nos resta qualquer dúvida que as escolas, independentemente da sua localização geográfica, devem construir as suas realidades próprias, adequando-se aos projectos construídos nas comunidades em que se inserem.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 132
Ano 13, Março 2004

Autoria:

Orlando Freitas
Colaborador da Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD
Orlando Freitas
Colaborador da Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD

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